Fotos: Divulgação
Entre os primeiros shows solo, antes do lançamento do disco, quando ainda era apresentado como “parceiro de Chico César / Arnaldo Antunes/Vanessa da Mata/etc” e a estreia de “Feito Pra Acabar”, que abocanhou todas as listas de melhores de 2010 da crítica especializada junto com Tulipa Ruiz, incluindo a da Movin’ Up (em voto de 40 jornalistas), Jeneci cresceu bastante.
Antes do espetáculo, falou sobre essa tal nova geração da música brasileira, dos ciclos de gerações que acontecem, do tanto que é natural para ele inserir a sanfona num contexto pop urbano (seu pai lidava com a eletrificação do instrumento, o que o levou a C. César e Dominguinhos) e da unânime recepção positiva que, segundo ele, não surpreendeu, mas gera enorme responsabilidade para o segundo registro. Do quanto a experiência de 10 anos acompanhando diversos artistas serviu para alcançar a maturidade já numa primeira obra.
E também reforçou o evidente em sua música: a formação banhada nos gêneros populares, em Roberto Carlos/Jovem Guarda, Guilherme Arantes, o próprio Dominguinhos, Clube da Esquina, trilhas de novelas e tudo que chegava até ele lá em Guaianases, zona leste de São Paulo. Bote aí um apanhado de outros sons, como ecos de Pink Floyd e psicodelia nas partes instrumentais mais intensas, além de Beach Boys. Bela receita para se fazer um artista se ele tiver personalidade: e Jeneci tem.
A óbvia timidez e o jeito tacanho se tornam ingredientes do clima aconchegante do seu show. E ao vivo o punch da banda e a energia do próprio Jeneci injetam cores e “quentura” em faixas engessadas pelo estúdio, por toda a produção, os arranjos de orquestra e tudo mais: caso de “Copo D’Água”, que abre o espetáculo lá em cima, “Café Com Leite de Rosas” (título prosaico que de certa forma resume o seu lirismo) e o “hit” “Felicidade”, entoada com notável empolgação pela plateia.
E se BH é uma das cidades que mais “conversa” com Jeneci nas redes sociais afora, como afirmou e agradeceu já no fim do show “obrigado pela internet na vida real” – coisa ainda curiosa e bonita de se observar – a capital mineira de fato recebeu muitíssimo bem o paulista. Combinam, sabe? E o cenário do Parque Municipal, tradicionalmente quase abandonado para shows, por vezes reduto de casais, contribui bastante pra isso. Gostoso. Como “Pra Sonhar”, com um acento brejeiro sofisticado, uma das mais belas do repertório, que tem “embalado o casamento ou o namoro de muita gente”.
Além da banda redonda e coesa, absolutamente consciente de todos os timbres, tons e harmonias, há que se destacar a presença de Laura Lavieri, fundamental não só nas linhas vocais, na doçura e na presença de palco, como no imaginário criado pelas canções de Jeneci. Química forte, “sem a qual nada disso aqui seria possível”, faz questão de ressaltar. É dela a essência de composições como “Pense Duas Vezes Antes de Esquecer”, “Longe” e tantas outras.
Se revezando entre a sanfona, a guitarra e o piano, Jeneci alcança ótimos resultados como na descaradamente Jovem Guarda – e deliciosa e inteligente – “Dar-te-ei” em que declama com jeito de namorado rendido: “Não te darei flores, não te darei, elas murcham, elas morrem / Não te darei presentes, não te darei, pois envelhecem e se desbotam / Não te darei bombons, não te darei, eles acabam, eles derretem”.
A doída “Tempestade Emocional”, “Quarto de Dormir” e a “existencialista” “Feito Pra Acabar”, que entrou na minha lista de top 5 músicas do ano passado fecham uma trinca de respeito. “Show de Estrelas”, um dos muitos momentos em que a influência de Guilherme Arantes é nítida, evidencia um mérito de Jeneci: o de resgatar um compositor que nunca significou nada para a imensa maioria da minha geração (gente em meados dos 20 anos) e trazer a melhor herança – harmônica, melódica – para esse mesmo e derretido público.
Se o que, em disco, às vezes fica morno, fofo ou melancólico demais, ao vivo todas as qualidades e o enorme talento de Jeneci falam alto, reverberam mais forte, soterram as arestas e o que temos é um artista completo, consciente do que pode fazer, capaz de alcançar o grande público – como já fez através de Da Mata e Leonardo – sem jamais perder a beleza, a riqueza de suas composições. Falsamente simples sem ser simplório, de uma poesia que não tem medo de ser piegas, demasiado humana, e nunca resvala no ridículo. Vai longe.