Com seus dois discos lançados em 95 e 2000, D’Angelo foi catapultado a ícone, carregando a bandeira do neo-soul como um dos melhores e mais intrigantes artistas da “nova” música black, fundindo com maestria elementos do soul, r&b, hip-hop, jazz e rock. Naquele momento e com aquela riqueza de detalhes e escolas, D’Angelo não tinha adversários.
O que, no entanto, se encaminhava para uma carreira de longo reinado no topo das paradas, sucesso de público e crítica, desembocou num ostracismo quase inexplicável, temperado com conhecidas histórias de artistas que não sabem administrar a fama repentina.
De lá pra cá, a música negra americana continuou seu processo de intensa pasteurização, especialmente no hip-hop, perdeu referências como James Brown, Michael Jackson, Solomon Burke e Bobby Womack, os outros nomes da geração de D’Angelo enfraqueceram (como Erykah Badu e Lauryn Hill) até um lento ressurgimento de qualidade em gravadoras menores e nomes “alternativos” como Sharon Jones, Lee Fields, Charles Bradley, Michael Kiwanuka, entre outros, ganharam cartaz.
httpv://www.youtube.com/watch?v=lZoxdPGu_4E
Neste cenário confuso e 14 anos depois, “Ain’t That Easy” chega abrindo o disco com o peso de ser o cartão de visitas do novo D’Angelo e faz um estrago: grooveada na medida, sexy, quente, dançante e bem construída, vai direto para o topo das melhores músicas do ano e entra instantaneamente entre as obrigatórias do repertório.
Já “1000 Deaths”, ao contrário, investe em camadas saturadíssimas, infinitamente sobrepostas, gerando uma maçaroca sonora que, apesar de intensa, soa gratuita e pouco eficaz (ainda que o final seja bem interessante). Os ecos de Funkadelic ficam (muito) evidentes aqui e, assim que o disco se desenvolve, em todas as faixas. O que passa longe de ser um problema considerando que George Clinton e cia produziram um dos maiores legados da história da música negra. E, claro, Sly & Family Stone, Curtis Mayfield, Stevie Wonder (etc) transpiram no disco.
“The Charade” volta aos trilhos, mostrando que (felizmente) pouquíssimos artistas tem o domínio tão pleno das texturas que criam quanto D’Angelo, uma das suas mais notáveis capacidades que fica evidente também em “Sugah Daddy”.
A organicidade fluída de “Really Love” impressiona – que música! – assim como “Back To The Future (Part I)” chega “smooth” e mais calma, “The Door” coloca o vocal de D’Angelo em primeiro plano, usando toda a técnica e variedade que fizeram sua fama, assim como o encerramento em “Another Life” é aquele tipo de composição que não tem ninguém fazendo tão bem em 2014 quanto D’Angelo, apesar de mais de uma década parado.
httpv://www.youtube.com/watch?v=mVsQwJfWzoI
Além de tudo, o disco chega carregado de teor social num momento em que os Estados Unidos se veem (novamente) debatendo a questão racial e o abuso policial (Ferguson, Eric Garner, etc), longe de simbolizar um messianismo próprio, o sentido é coletivo, conforme o próprio D’Angelo explica:
Em suma, “Black Messiah” mostra um artista único que não perdeu a mão, com todos seus predicados e o talento espetacular de produzir uma música que só ele é capaz, mantendo suas características e indo além. Ao contrário da maioria das previsões, D’Angelo – mais do que merecido – está de volta ao topo.