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Roger Waters: 70 anos

Por Maurício Angelo

Extremamente arrogante, pretensioso e megalomaníaco, Roger Waters é personagem chave do rock e da cultura pop do século XX, além de líder natural e ditatorial do Pink Floyd na fase pós-Syd Barret. Hoje, Roger completa 70 anos de idade. 50 de carreira. Minha ligação com ele e com o Floyd é impossível de se colocar em palavras, apesar de tantas e tantas vezes ter tentado. O Pink Floyd é “a” banda da minha vida. As letras de Roger foram de uma influência decisiva pra mim, lá, ainda na pré-adolescência. Pude vê-lo ao vivo em 2007, no Rio de Janeiro, na turnê em que executou The Dark Side Of The Moon na íntegra e em 2012, em São Paulo, no inevitável The Wall Live.

As resenhas de ambos os shows você encontra aqui e aqui. Há, ainda, uma crônica de 2006, disponível aqui. Nela, eu chamo Waters de “meu Jesus Cristo pessoal”. Em que pese não ser cristão, a simbologia do negócio está correta. Nestes 70 anos, o que fica são as chances cada vez mais raras de vê-lo ao vivo, que já declarou que a atual turnê de The Wall será a última grande da sua vida, e a probabilidade ainda mais exígua de que ele e David Gilmour façam as pazes e encarnem um último momento do Floyd, especialmente com Rick Wright morto (e Syd também). Há apenas acenos ali e acolá, mas nada suficientemente forte para apagar as mazelas do passado.

Nesta data, cedi uma entrevista ao amigo Tomaz Alvarenga, que escreveu uma matéria especial para o jornal Correio Braziliense, publicada esta semana. Creio que, nela, acabo fazendo um apanhado geral da carreira de Waters e do Floyd. Mais do que suficiente. Fica apenas um humilde “obrigado, Roger”.

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ROGER WATERS 70 ANOS

1)      Qual a importância do Roger Waters para a música (popular e erudita)?

Como membro do Pink Floyd e seu “eventual” líder, Waters conseguiu levar o rock progressivo, estilo que acabou sendo “indiretamente fundado” pelo próprio PF em “The Piper At The Gates Of Dawn” – e aqui não cabe discutir quem seria “o” pai do negócio, que inclui referências a discos como “Days Of Future Passed”, do Moody Blues e o próprio Sgt. Peppers dos Beatles, etc – a uma audiência enorme, caindo realmente no que podemos chamar de popular.

O Pink Floyd se tornou não só a banda mais popular do rock progressivo mas um gigante conhecido entre todos os tipos de público, atingindo audiência imensurável, quebrando recordes de vendas de discos, migrando para o cinema com relativo sucesso e marcando sua influência de maneira profunda na cultura pop.

Não apenas a música foi responsável por isso, seja no início e seu viés totalmente psicodélico com a verve de Syd Barret seja no caminho que tomou especialmente após a explosão de “Dark Side”. Podemos dizer que o Pink Floyd é o pai dos grandes espetáculos de rock, do uso massivo e inteligente da iluminação, efeitos e artimanhas no palco – desde os primórdios da banda isso foi algo que eles se dedicaram, utilizando truques rudimentares e sempre pensando como envolver a audiência em “técnicas” e formatos que eram totalmente incomuns na época – até a importância dada para a arte visual em si e na colaboração com Storm Thorgerson, responsável por criar a identidade visual da banda, pelas capas de discos, colaborador no conceito dos shows e tudo mais que ajudou o Floyd a se tornar o que é.

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Claro que nada disso adiantaria se a música não fosse boa como é. É o pacote completo que o Floyd criou, tornando-se único, que define sua influência na cultura pop.

Não vejo a banda com maiores pretensões e tampouco influência na música erudita, apesar de algumas colaborações e da ópera criada por Waters.

2)      Como avalia a influência do artista na condução do Pink Floyd após a saída de Syd Barrett?

Em “Inside Out”, biografia oficial da banda escrita por Nick Mason, o baterista conta que a “liderança” de Waters acabou acontecendo de maneira natural, por ser o principal letrista e compositor. A banda só foi se livrar realmente da influência de Syd Barret em “Meddle”, de 1971.

Até o “Atom Heart Mother” é nítido que a banda ainda trilhava o caminho de Syd. Waters foi muito feliz ao realizar a transição, assumir as principais responsabilidades da banda e nas colaborações com David Gilmour e nas contribuições de Mason e Wright.

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Isso até o “Wish You Were Here”, claro. O sucesso estrondoso de Dark Side abalou consideravelmente o relacionamento entre os integrantes e a personalidade ditatorial e megalômana de Waters começou a gerar uma série de ruídos. Mas, grosso modo, Waters é o principal responsável pelo Floyd ter sido do nicho do rock progressivo/psicodélico e ter atingido grandes audiências sem precisar realizar concessões no som e experimentando o que bem entendiam.

3)      O que acha dos trabalhos solo dele? Tanto os álbuns conceituais, como as trilhas sonoras e a ópera?

A verdade é que Waters – assim como o Pink Floyd – nunca conseguiu atingir nível sequer parecido com os das obras produzidas em conjunto. “The Final Cut” pode ser considerado um disco solo de Waters “featuring” Pink Floyd, lançado sob o selo da banda apenas para cumprir contrato, segundo a própria banda. É uma sobra de The Wall e aprofunda mais os traumas e delírios de Waters sobre a perda do pai na segunda guerra e as implicações disso.

Dos álbuns solos “oficiais” o que eu mais gosto é “Amused To Death”, de 1992, a obra melhor acabada dos três. “Radio K.A.O.S” é o pior, enquanto “The Pros And Cons”, composto ainda na época do Pink Floyd, não faz feio, mas também patina. “Ça Ira” é mais um exercício que Waters tomou para si através de um argumento-livro enviado para ele e não creio que tenham grandes pretensões de mudar a história da ópera, além de não ser exatamente da minha alçada.

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O trabalho solos de Waters sofrem de todos os seus defeitos que eram amenizados no Pink Floyd: a megalomania, o “nababesco”, a limitação melódica, a repetição de temas e o desenvolvimento precário de estruturas. Pesa muito não ter outros 3 (ou 4) gênios tanto para colaborar com ele quanto para impedir que suas ideias tomem conta de todas as canções.

4)      O que representa o Pink Floyd em relação a todos os grandes nomes do rock?

Além dos números, que representam o alcance e a aceitação popular e do marco na cultura pop que a banda tem (respondida em parte lá no início), é interessante notar como o Pink Floyd conseguiu influenciar (e também ser precursor) de estilos como o progressivo, o psicodélico, o rock arena, o post-rock, o eletrônico – no uso absurdamente inteligente de sintetizadores e efeitos – e mesmo parte do metal e da música experimental de vanguarda (por assim dizer) em suas diferentes escolas e conceitos.

No cinema, através de The Wall e suas brilhantes animações, nas letras muito acima da média dos seus pares no rock, no conceito de show ao vivo e as toneladas de invenções: Live At Pompeii é estupendo e único no que fez, considerando ainda as dificuldades enormes de gravações naquele local e no efeito alcançado, as projeções e os efeitos de luz, o porco flutuante de Animals – e sua ligação direta com a obra de George Orwell – o muro de The Wall, ousadias como o show na água em Veneza e as diferentes ideias que executaram mesmo na fase final sem Waters.

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Em suma, além do trabalho musical, o Pink Floyd deixa um exemplo perfeito da fusão entre diferentes mídias muito antes de se pensar nesse tipo de coisa inclusive na comunicação. Deixa um legado político, em disco ou na postura dos seus integrantes, especialmente Waters, que até hoje opina publicamente sobre questões sobre as Ilhas Malvinas e Israel, a política inglesa e internacional, etc.

Deixa uma profunda marca na arte visual do rock e da cultura pop do século XX. E, através da sua própria história, brigas, referências e diferentes trabalhos solos, invenções em estúdio e ao vivo, um Ulisses da cultura pop. Ou talvez um Finnegans Wake, por sua polifonia.

5)      O que seria do Pink Floyd se Waters não tivesse conduzido o grupo no final dos anos 60? O que acha dos álbuns do grupo sem ele?

É difícil fazer um exercício de futurologia reversa (rs), mas no mínimo seria bem mais difícil o grupo alcançar a audiência que alcançou com seu viés de rock político razoavelmente palatável para as massas.

Dos discos sem ele, “A Momentary Lapse Of Reason” é um esforço descomunal de Gilmour e cia para provar que poderiam continuar sem ele, se valendo de vários colaboradores, uma tonelada de instrumentos e investimento pesado na produção, que infelizmente se traduziu num disco esquisito, meio “cheesy” como era característico da época, meio soturno e amargurado nas músicas e letras. Tem bons momentos (“Learning To Fly”, “The Dogs Of War” e “Sorrow”, principalmente) mas é fraco no conjunto.

Já “The Division Bell”, 7 anos depois e com menos 700 toneladas nas costas, eu gosto bastante, além do meu carinho pelo disco, que foi um dos primeiros do Floyd que ouvi (começando pelo final). Envelheceu muito bem, tem um som bem “limpo” e não se parece com nada do material clássico da banda. É David Gilmour puro, na sua essência e no seu melhor. Livre da tensão e da veia atormentada de Waters – e dos problemas pós separação – Gilmour entrega uma disco belíssimo, recheado de ótimas melodias, solos e harmonias, conseguindo ser épico e singelo ao mesmo tempo.

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Muitos destaques quando se olha para a track-list: “Coming Back To Life” tem um dos solos mais bonitos que a banda já criou, “What Do You Want From Me”, “A Great Day For Freedom”, “Wearing The Inside Out”, “Take It Back”, “Keep Talking” e o final soberbo de “High Hopes”. Que disco.

6)      Qual o legado que Waters deixa pra música (e não apenas para ela)?

Além do que eu já falei até aqui e considerando seus vários e conhecidos defeitos e limitações, acho que, sobretudo, Waters deixa o exemplo de que se pode falar de temas considerados “sérios”, “densos” e “cabeçudos” de maneira inteligente e acessível na música pop sem precisar simplificar demais a sua música e a sua arte.

Se o rock pode (e deve) funcionar para a diversão pura e simples, também pode alcançar coisa maior. Também pode dialogar com um sem número de outras linguagens, temas. Também pode se inserir de maneira decisiva e relevante na sua época, seja ela qual for.

Waters e o Pink Floyd deixam um legado de valor imensurável que servirá de objeto de culto e referência para sempre, no seu auge e nos seus problemas. Como é a vida, afinal. “And after all, we’re only ordinary men”.

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Para conhecer o Pink Floyd:

Inside Out: a verdadeira história – Nick Mason

Comfortably Numb: the inside story – Mark Blake

Pink Floyd – The Early Years – Barry Miles

The Dark Side Of The Moon: os bastidores – John Harris

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Destaques Especiais