Enquanto caminhamos rapidamente para um novo golpe militar, com uma ditadura liderada pelo oficialato de baixa patente a qual Bolsonaro pertence, perdemos Aldir Blanc. Por Covid-19.
A mesma doença que o genocida irresponsável e incompetente que governa indevidamente o Brasil trata com desdém e espalha corpo a corpo.
A vida é costurada por simbolismos. Alguns deles reais, palpáveis, quentes.
Só o Brasil de Aldir Blanc é capaz de derrotar o Brazil de Jair Bolsonaro.
Vamos precisar enaltecer muito todas as lutas inglórias que estão por vir. E a obra de Aldir Blanc oferece um farol em meio a escuridão.
Perdemos um dos maiores escritores que a língua portuguesa – e o mundo – conheceu. Aldir usou a música para isso. Música que é o maior presente do Brasil para a humanidade. Em nenhum lugar do planeta se faz música com tanta qualidade, diversidade, poesia, suingue, dor, história e potência criativa quanto no Brasil.
Parte disso se deve a Aldir Blanc. Um poeta-psiquiatra suburbano, quase albino, mas negríssimo como o choro de uma cuíca.
Como disse Rubem Braga, um samba é um samba, é qualquer coisa de muito. E Aldir escreveu centenas deles. Alguns dos melhores que essa pátria de canalhas já produziu. Isso é uma enormidade. Diz Rubem:
“Ninguém pode esquecer a função quase religiosa que o samba tem no morro. Uma religião sem Deus, mas com sacerdotes, noviças, rito, tristeza, esperança… Mesmo porque não é preciso ser campeão de folclore para sentir como o samba recebeu e ajeitou a influência de certas orações de macumba”.
Aldir compôs muito com Guinga e Moacyr Luz, mas é com João Bosco realmente o ápice da sua carreira. A mistura do interior de Minas Gerais no violão único de Bosco com a poesia urbana carioca rasgante de Blanc.
Dorival Caymmi encontrando o samba de Silas de Oliveira e tantos outros. Clementina de Jesus, Salgueiro, Estácio, da África a Sapucaí.
Poucas vezes o Brasil foi tão brilhante. Tão competente em construir, tijolo a tijolo, as bases de uma obra que respira e cospe negritude com um acabamento de altíssimo nível. Bosco/Blanc, elixir para as feridas abertas da ditadura, são parte do melhor que dispomos ontem, hoje e sempre para o Brasil de 2020 e além.
De “O Mestre-Sala dos Mares” veio uma das censuras que sofreram. A negritude, claro, era o problema. O racismo oficial e estrutural não pode com o Brasil negro. Os militares tem verdadeiro pavor de tudo que faz o Brasil ser verdadeiramente o que ele é.
Os parasitas da história não podem com qualquer um que produza arte como Aldir Blanc. Sorte a nossa. Glória, sempre, a todas as lutas inglórias.