Biografias de músicos, quando escritas pelos próprios, costumam ser uma coisa amargurada e doentia. O que vale para 2 das 3 que li recentemente. “Eu Sou Ozzy” é um relato honesto e apaixonado de Ozzy Osbourne sobre sua vida e a carreira com o Sabbath, solo, a relação sempre turbulenta com a esposa Sharon e a mídia. Da infância fodida em Birmingham, seus diversos sub-empregos (como num matadouro), a total falta de esperança e a adolescência com os futuros membros do Black Sabbath até a fama.
Ozzy não alivia sobretudo para si mesmo. Conta dezenas de histórias preciosas (cômicas e dramáticas) sobre os primeiros shows do Sabbath, o relacionamento entre a banda, as diversas polêmicas que cercaram o grupo – como por exemplo a história de “magia negra” era só uma piada / estratégia de moleques espertos, transformada em publicidade e dinheiro pelos fanáticos religiosos e a imprensa – as lendas de gravações em estúdio, a piração total com a fama e o fato impressionante de Ozzy nunca ter chegado a morrer de overdose com a quantidade industrial de drogas e álcool de todos os tipos ingeridos diariamente.
Acompanhar o relato de Ozzy é compreender porque o Sabbath é o que é e porque pouquíssimas bandas poderiam ter feito o que eles fizeram: inaugurando um novo gênero dentro da música, algo já explicado suficientemente aqui em textos anteriores. É a única mais cômica entre as três.
Já em “Um Punhado de Gitanes”, a jornalista estadunidense Sylvie Simmons investiga toda a história de Serge Gainsbourg, um dos principais nomes do século XX, que tem sua obra menos conhecida fora da França do que deveria. Bebendo na tradição de nomes como Charles Aznavour, Léo Ferré e outros, Gainsbourg foi verdadeiramente inovador, autêntico provocador e dono de uma carreira ousada tanto na música quanto no cinema e fora dos palcos. A insegurança permanente de um homem feio que se torna um dos maiores conquistadores da França, as harmonias inusitadas e as letras únicas. Simmons na verdade produziu um relato mais leve e direto sobre a vida de Gainsbourg, que teve sua biografia definitiva escrita por Gilles Verlant, com quase 800 páginas, ainda sem tradução no Brasil.
Há um bom equilíbrio entre a vida pessoal, os diversos casamentos e musas (Bardot, Birkin, etc) a personalidade, manias e hábitos de Gainsbourg (alguns até duvidosos, como “nunca se deixar ser visto inteiramente nu”) até as irresistíveis histórias por trás de cada disco, o estrondo de “Je T’aime Moi Non Plus”, as gravações de seus dois discos de reggae na Jamaica, o vasto legado deixado na música francesa e mundial e a usina de fumaça azul que saía dos seus gitanes até a morte por ataque cardíaco. O livro é breve mas não superficial. Simmons é certeira e traz o essencial do que importa.
Em “Coração Envenenado”, Dee Dee Ramone, baixista e um dos principais compositores da banda ícone do punk relata de forma crua e escancarada – não poderia ser diferente – sua infância na Alemanha do pós-guerra, a relação brutal com a família e a adolescência conturbada em Nova York, quando conheceu os demais integrantes. Dee Dee não poupa nada, principalmente ele mesmo. As toneladas de drogas usadas, o vício em heroína, as brigas constantes com putas, junkies e marginais em NY, as inúmeras tentativas de parar o vício e todo um relato sobre o início do punk rock, as cenas estadunidense e inglesa, etc.
É na veia, literalmente. Dee Dee fala sobre quanto o CBGB era “um lugar insuportável, fedendo sempre a mijo”. Do relacionamento bélico entre os integrantes do Ramones, de como detestava, em grande parte, a vida na estrada, do encontro “bizarro” com o produtor Phil Spector, das tantas vezes que pensou em desistir, do rancor com o fim da banda – que não o valorizava mas ainda dependia de suas composições, como a própria “Poison Heart” e “Strenght To Endure”, para o disco Mondo Bizarro, de 92 – sua carreira solo antes do fim.
Um livro triste, de uma vida que pode ser resumida como uma tempestade de merda. Como o próprio afirma, “uma história dos Ramones não pode ter final feliz. Me alegro por ter acabado, embora tenha sido divertido, em parte. Todos nós saímos feridos de nossa relação uns com os outros e nos machucamos.”
Dee Dee morreu de overdose em 2002, perdendo sua eterna guerra com a droga. O livro jamais tenta “glamourizar” algo que não tem muito do que se vangloriar. Fica a sinceridade e a música, eternas. É preciso força pra aguentar.
“I just want to walk right out of this world / ‘Cause everybody has a poison heart.”
httpv://www.youtube.com/watch?v=OfIfzVf8t6E