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Jack White e o ringue acolchoado de Lazaretto

Jack White é um cara espertíssimo. Seu emulador é conhecido e pra lá de eficiente. Na esfera pop em que quase todo mundo é imitação barata do que já fizeram antes e melhor, do que já inventaram e funcionou, com trocentos adereços e todo uma máquina pronta para disfarçar suas falhas e falta de competência, Mr. White se dá muito bem e tem talento acima da média, reconheçamos.

Nos 6 álbuns de estúdio com o White Stripes ele elencou dezenas de bons riffs e arranjos marcantes, com várias pérolas do “garage rock” e “blues rock revival” no currículo. Nada, nada, com estilo X ou Y dominando as paradas ou não, tava lá o White Stripes fincando sua bandeira nos charts, nas MTV’s e VH1’s da vida, agradando novatos e audiófilos, tiozões e a molecada disposta a se divertir.

Ajuda bastante ter uma voz característica e forte e também não é nada mal ter um domínio de tempo escasso no mundo atual, uma consciência sobre como trabalhar o silêncio e as paradas tão cara ao rock que muita gente esqueceu. Depois da boa releitura de “Three Women”, de Blind Willie McTell, que abre a bolacha – a capacidade de escolher boas referências é sempre válida – tudo isso que ficou muito evidente a carreira inteira de White torna-se transparente na faixa-título. “Lazaretto” é exemplar em utilizar paradas, pausa e retomada, porrada e violinos, em deixar a cozinha brilhar tanto quanto a guitarra – algo difícil para um guitarrista que é o centro de tudo como ele.

httpv://www.youtube.com/watch?v=qI-95cTMeLM

Mas White não é burro. “Temporary Ground” evidencia o country e bluegrass em maior cartaz do que nunca no que ele já gravou, uma tônica no novo disco. É uma escolha natural, um caminho necessário em explorar estilos e temas afins para adicionar novas cores e novos ares na discografia.

O tecladão climático no início de “Would You Fight My Love?” é sintomático: tem coro, textura e ambiência, por assim dizer. É coisa de quem sabe. Assim como a instrumental “High Ball Stepper”. Já ouvimos esses timbres antes, mas White ainda tem a capacidade de nos surpreender com a qualidade do que consegue trabalhar em cima deles.

E que grande banda da história do rock ficou marcada exatamente por essas questões? O tributo ao blues, muitas vezes acusada de plágio, o pleno domínio de tempo, riffs brilhantes e temperos de bluegrass, country e psicodelia? O Led Zeppelin, claro. E como o documentário “It Might Get Loud” deixou evidente, Jack White e Jimmy Page guardam entre si um respeito mútuo. Page é o espelho maior para White. E nem poderia ser diferente.

jackblues

Se está muitos degraus abaixo – e quem não está? – é de se louvar o que White consegue fazer com suas limitações. O “lado B”, no entanto, conceito importante para um cara tão “revivacionista” como Jack, apegado ao vinil e louco para fazer da sua própria gravadora uma extensão disso, cai bastante.

“Just One Drink” e “Alone In My Home” são bobinhas, assim, inócuas mesmo. “Entitlement”, igualmente, não ajuda muito, sendo uma balada padrão, previsível até o tutano e que pode ser encontrada em centenas de discos de country lançados todos os anos. É voltando ao rock que Jack White se dá melhor. A malandragem quase-latina de “That Black Bat Licorice” eleva o nível, uma faixa quase Calle 13, por mais estranho que soe. Mas “I Think I Found The Culprit” e “Want And Able” são dessas que White produz com facilidade, tão boas quanto soporíferas.

No fim, apesar de toda a tentativa de ir um pouco além do seu lugar-comum, do talento acima da média e da boa produção, “Lazaretto” é um bom disco, mas que fica ali flertando bastante com a mediocridade, com o previsível bem embalado. Nunca chega a ser realmente sujo e ameaçador ou genuinamente denso como as referências que elenca. É um ringue de paredes acolchoadas, decorado com ar propositadamente vintage. Um vinho de família que já passou do ponto, mas vai bem demais para o dia a dia.

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Destaques Reviews de Cds