Foto: Abelardo Mendes Jr. / Cult 22
Lembro bem que quando “Take Me Out” estourou, em 2004, com certa má vontade, pensei: “ok, só mais uma bandinha hype do Reino Unido que logo logo vai passar”. Lentamente a música foi me conquistando e o Franz Ferdinand, afinal, tornou-se uma das principais bandas do “second coming” indie dos anos 2000. Uma das poucas capazes de fazer uma turnê completa pelo Brasil (não só em São Paulo), como atração principal (não dependendo de festivais) e com ótimo público em casas grandes (não apenas boates, etc). Neste sentido, esta turnê é a marca definitiva do alcance desse nível já acima da média que grupos independentes do Reino Unido alcançam por aqui. Reflexo direto, também, do que significam no resto do mundo. Nada mal para quem começou tocando nos pubs de Glasgow, dividindo espaço com bandas que – já com certa fama – foram atropeladas pelo Franz nos anos seguintes, como o Belle & Sebastian.
Além disso, o FF chegou para sua quarta passagem pelo Brasil ancorado em excelente repercussão dos shows anteriores, inflamado por comentários que beiravam a ovação impecável. Depois da catarse eletrônica psicodélica de “Lucid Dreams”, quando tudo se transforma quase numa rave, no encerramento da brincadeira, a sensação é, sim, de uma apresentação memorável, divertida, repleta de hits dançantes, de uma banda claramente limitada mas boa o suficiente pra proporcionar algo além. Nada, no entanto, que mereça termos como “histórico”, “sublime” e outras louvações extremas.
O Franz é, sem dúvida, uma das melhores da sua geração. Um grupo que conseguiu fundir a presença fundamental das guitarras com batidas dançantes, experimentações contidas e funcionais, melodias com belos ganchos, refrães grudentos e aquele groove de branco que às vezes cai bem, outras nem tanto. A óbvia vocação para as pistas não poderia ter declaração mais direta que no título de seu último álbum: “Tonight: FF”. Alex Kapranos e cia sabem bem o que querem, o público que tem e o tipo de música que criam.
Foto: Abelardo Mendes Jr. / Cult 22
O Marina Hall quase lotado é sinônimo tanto do limite entre indie e mainstream que a banda alcançou quanto de uma cidade pouco acostumada a receber shows de bandas do tipo. Infelizmente, o local em si é a prova de que Brasília não tem uma única casa de shows decente, capaz de receber eventos de médio-grande porte com a estrutura adequada. Ou o Marina ou o ginásio Nilson Nelson (verdade porém que o recente Centro de Convenções Ulysses Guimarães amenizou a situação). Acústica péssima, instalações de clube (literalmente), calor infernal e acesso exclusivo para carros (mesmo assim sem estacionamento). É simplesmente impossível chegar ao Marina Hall de ônibus ou qualquer transporte coletivo. O que apenas evidencia que a capital federal não foi projetada para ser – risos – “a cidade de todos”. Os colegas do Cult 22 falaram mais sobre isso. Apesar da falta de estrutura, conseguimos estacionar sem problemas (bem longe do Marina, diga-se). Graças ao dia de sol que não transformou o espaço num pântano. Considerações maiores para outro texto e outro lugar.
Começando sem atrasos maiores, o repertório – como esperado – não fugiu muito do set-list já apresentado em Porto Alegre e Rio de Janeiro. Fica claro que a banda procura mesclar os hits dos dois primeiros discos com as músicas mais eletrônicas – e com menos apelo – do último. O resultado é bom e equilibrado. O público, exultante, vibra tanto em “The Dark Of The Matinée” como em “This Boy” e “No You Girls”.
A coleção de hits é usada sem parcimônia: “Do You Want To”, “Walk Away”, “What She Came For” e principalmente “Take Me Out” – uma das músicas símbolo da última década e espécie de resumo da essência da banda, com passagens climáticas, guitarras em profusão, pegada dançante e refrão de apelo massivo. “This Fire” não fica atrás e é apresentada com pleno domínio da platéia, em formato típico de show, prolongando seu efeito e potência.
Apesar da parte final representar uma caída considerável de nível e empolgação, músicas mais recentes, singles de menor sucesso e “lados B” conseguem manter o clima e o público na mão: “Ulysses”, “Michael”, “Darts Of Pleasure”, “Turn It On”, “Outsiders” e “40” representam uma obra coesa e digna de atenção em três álbuns de qualidade constante.
Kapranos, Hardy, McCarthy e Thomson não são instrumentistas brilhantes nem compositores de gênio diferenciado (e talvez isto tampouco seja exatamente necessário para a música que produzem, você pode dizer) mas compensam isso com muita energia e uma massa sonora sempre cativante. Kapranos, mestre de cerimônias, faz pequenos comentários, apresenta a banda com micros solos individuais, sobe no amplificador em típica pose rockstar, convoca o “momento carnaval” com todos brincando de bateria no palco.
Show do Franz é a diversão e celebração esperadas, exatamente o que a expectativa prevê e o suficiente para todos saírem dali com um sorriso no rosto. Além disso é cair em ovações desmedidas e desnecessárias. Não é preciso transformá-los em algo maior do que são: tá de bom tamanho assim. O que, para a música indie, já não é pouca coisa.