Foto: Sou BH
O público de rock é um bicho engraçado: canta as músicas que rolam no PA antes do início do show como se fosse ao vivo. E no fim, indo embora, entoa o “ôoooo” de “Black Night” que acabou de ouvir, erguendo as mãos para o ar, olhando uns para os outros como numa celebração tribal. Comportamento que não é novidade e nunca vai mudar. Mas não deixa de causar certo incômodo.
O Deep Purple virou “carne assada” por aqui pelo fato de vir tocar com frequencia nos últimos 15 anos. O senso comum diz que são bandas ícones do passado em situação decadente que só recebem atenção e público de acordo em países “em desenvolvimento” que começaram a receber shows internacionais há pouco tempo. É verdade. Caso do Deep Purple e de tantas outras. O inexplicável Guns N’ Roses, por exemplo, que recebeu homenagem de Steve Morse, colocando parte de “Sweet Child O’ Mine” no seu solo. Felizmente, o mercado de shows nos últimos 8 anos, junto com o país, melhorou absurdamente. E agora somos capazes de receber bandas de diversos lugares do planeta no seu auge. Tanto as novidades como a velharada, necessária.
A casa, claro, estava lotada. Como em todos os shows que fazem no Brasil. O Deep Purple, no ápice, é uma das melhores bandas da história do rock. Subestimada até. E Ian Gillan um dos melhores vocalistas que esse mundo já viu. Mas se vão 15 anos desde que Steve Morse substituiu Ritchie Blackmore no seu abandono definitivo do grupo. Com Morse foram 4 bons discos, em que é possível pinçar alguns grandes momentos. O último, “Rapture Of The Deep”, veio em 2005.
httpv://www.youtube.com/watch?v=Y0rxZF4jLZc
E não há espaço para surpresa aqui nem é esse o objetivo: você terá todos os grandes clássicos: do início com “Highway Star” até o fim com “Black Night”, passando por “Smoke On The Water”, “Strange Kind Of Woman”, “Maybe I’m a Leo”, “Space Truckin'”, “Lazy” e “Perfect Strangers” (num dos momentos de maior empolgação) e apenas 3 faixas dos 15 anos de Steve Morse com o grupo. Os solos – e há espaço para cada integrante fazer o seu – servem também para Ian Gillan descansar.
E eis aqui o principal problema: com 66 anos, Gillan está exausto, precisando fazer um esforço descomunal para cantar. Algo extremamente natural depois de uma carreira de 43 anos, em músicas que exigem sobremaneira das suas cordas vocais e turnês excruciantes. Dentro de um estilo exigente como esse, nem todo mundo resiste como Ronnie James Dio, que teve atuação impecável na turnê de 2009 do Heaven & Hell, com 67 anos.
httpv://www.youtube.com/watch?v=UrSF2YBj0hk
Lá de cima, eu via um velhinho sofrendo horrores para atingir as notas necessárias. Uma empolgação atravessada pelo cansaço, pela necessidade, por tudo que o tempo implacavelmente traz. Com distanciamento – coisa que fãs raramente conseguem obter – pensei: “é hora de parar”. Há vários motivos que podem levar o Purple a continuar na estrada. Talvez eles ainda estejam se divertindo, talvez nem todos eles estejam milionários o suficiente, talvez seja simplesmente difícil parar de fazer o que se ama. Podem preferir continuar na estrada do que cair na aposentadoria. Apesar da idade bem avançada. É legítimo. Música, além de arte, é trabalho e, às vezes, paixão.
Mas dá um pouco de pena de ver Ian Gillan nessas condições. Ele dá conta do recado como pode, deixa o público fazer a parte dele, se poupa quando precisa se poupar. Ainda é bom, afinal trata-se de uma voz única. Mas fica a sensação de que já deu: a carreira foi brilhante, tem discos sensacionais. Vão descansar, curtir a família. “Too old to rock n’ roll, too young to die”.
Para 90% do público, claro, nada disso interessa. Diferentes gerações com a oportunidade de ver uma banda ícone. Para o fanático, vale que o ídolo esteja presente. Não importa em que condições. Há (poucos) artistas que, por uma série de fatores, podem se dar ao luxo de continuar em bom estado na mesma idade ou até mais velhos que Gillan: Leonard Cohen, Roger Waters, Neil Young e outros chegando lá, como Bruce Springsteen, Stevie Wonder…
Para o Purple, parece que já deu. Eles tem o direito de fazer o que bem quiserem com a carreira, inclusive se existir a vontade de continuar. Mas chega um ponto em que é desnecessário. E saber a hora de parar é algo sempre admirável. Ficam a história e o reconhecimento.