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Black Sabbath: a despedida dos responsáveis por moldar o som pesado do século XX

Não era lá muito provável que Ozzy, Iommi, Butler e Ward se reunissem novamente e muito menos gravassem um disco de inéditas. Infelizmente, isso aconteceu com a debandada de Ward, em função de “problemas contratuais” mas também pela saúde debilitada e após a morte de Ronnie James Dio, que levava o Sabbath adiante na encarnação Heaven & Hell, que fez turnê pelo Brasil em 2009 e lançou o ótimo “The Devil You Know”.

Com o fim do Heaven & Hell e a carreira solo de Ozzy abalada pela saída de Zakk Wylde, foi um caminho natural que os criadores do metal e a banda mais influente do século XX depois dos Beatles se reunisse para gravar o que se tornou o disco “13” e saísse em turnê no que, provavelmente, é a despedida da banda dos palcos, já que os integrantes caminham para a faixa dos 70 anos.

Foi uma ótima oportunidade de fechar o ciclo, após as coberturas do Heaven & Hell em 2009 (aqui) e do Ozzy solo em 2011 (aqui). No texto do HH, afirmei:

Tony Iommi influenciou não só seus descendentes diretos (NWOBHM, thrash, death, etc) como boa parte da cena pop, eletrônica e derivados. Até hoje. Música pesada, ou não, a influência (e reverência) ao Sabbath pode ser sentida nitidamente em dezenas de bandas. Iommi como o principal, por ter definido os timbres, os tons, riffs, solos, harmonia, estrutura, etc. Mas muito do estilo do baixo de Geezer Butler, da bateria de Bill Ward e do vocal de Ozzy reverberam por aí há 40 anos.”

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Assim, é inevitável que o Sabbath desperte superlativos e reverências, todas insuficientes. “13”, produzido por Rick Rubin, é, naturalmente, uma mistura de tudo que a banda já fez com o Ozzy. Ouvindo o disco desde o seu lançamento, cresceu bastante aqui. Das três faixas dele contempladas no show, apenas “God Is Dead?” pode ser considerada a mais “fraca”. “End Of Beginning” e “Age Of Reason” são espetaculares, amostras precisas de tudo que construíram e do que ainda são capazes de fazer.

Nos dois shows da turnê que conferi, o de São Paulo sofreu pela lotação de 70 mil pessoas e pela escolha do local, o Campo de Marte, na Zona Norte. Extremamente irregular, o campo oferecia uma variação tremenda de visibilidade do palco com a diferença de poucos metros. O som, baixo, prejudicou. Claro, tudo isso pareceu não importar muito para o público, estupefato para a simples oportunidade de estar ali. A entrada e saída, diga-se, com esse contingente de pessoas, foi perfeitamente tranquila. E, por ter acabado às 23 hs, todos puderam utilizar o metrô, aliviando bastante o tráfego, que ficaria impossível sem essa possibilidade.

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Na abertura das duas cidades, o Megadeth cumpriu seu papel. Em um show curto, o repertório naturalmente privilegia clássicos como “Hangar 18”, “In My Darkest Hour”, “She-Wolf”, “Symphony Of Destruction”, “Peace Sells” e o final com a fantástica “Holy Wars…”. Mustaine finalmente conseguiu dar alguma estabilidade para a formação, que, além de Dave Ellefson, que retornou em 2010, já conta com os ótimos Chris Broderick e Shawn Drover há algum tempo.

Extremamente pontual tanto em SP quanto em BH, o Sabbath sobe ao palco com “War Pigs”, faixa icônica que serve como resumo das pretensões da banda. Aí o set-list parte para três peças dos discos “Master Of Reality”, responsável por definir tudo o que o stoner tenta ser e “Vol. 4”, outra obra-prima que mescla o peso e o blues de forma brilhante. “Into The Void”, “Under The Sun” e “Snowblind” evidenciam o talento absurdo de Iommi e Butler em criar levadas completas, riffs magistrais, no uso da cadência e das paradas, nas estruturas herdadas do final dos anos 60 que o Sabbath trabalha em sua máquina de peso, groove (sim, groove!) e pegada única.

httpv://www.youtube.com/watch?v=GYeatN8-4zM

Sobre Geezer, comumente pouco falado em função de Iommi ser o maior artesão da coisa toda e Ozzy ser Ozzy, é incrível como a importância e a influência do baixista fica impressionante e notória ao vivo: Geezer é um monstro nas linhas que construiu, no que fez com a influência primária de Jack Bruce, do Cream, nas inovações que trouxe para o instrumento na década de 70, além de ser, disparado, o principal letrista da banda.

Black Sabbath”, a música, a primeira faixa do primeiro disco, anunciada por Ozzy apropriadamente como “vamos levá-los até o início de tudo da nossa carreira”, não poderia ser mais sintomática em simbolizar a quebra definitiva de um novo estilo de som, macabro, sombrio, soturno, de um mundo em guerra (do Vietnã), ainda encontrando o caminho pós II Guerra Mundial, passando por toneladas de transformações e revoltas sociais, redefinindo tudo nas ruas e nos movimentos civis ao mesmo tempo em que o “Flower Power” e o “Summer Of Love” estavam descolados dessa realidade.

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Para esses 4 jovens de Birmingham, a realidade era a pobreza cinzenta de uma cidade industrial que não oferecia nenhuma ilusão de parques coloridos e felicidade fácil. “Black Sabbath” e tudo que desenvolveram a partir dali é a resposta pra isso tudo.

O show, na realidade, segue basicamente o script da última reunião da formação original, numa série de shows em dezembro de 97 na mesma Birmingham, lançada em 98 com duas faixas inéditas. Numa carreira tão extensa, com 9 discos gravados com Ozzy Osbourne, um show de 2 horas é obviamente insuficiente para saciar um fã. Sobretudo, a ausência de “Sabbath Bloody Sabbath”, apenas citada em riff no prelúdio de “Paranoid”, é inexplicável. Nada do disco mais progressivo da banda foi tocado.

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O meu setlist dos sonhos incluiria, além de “Sabbath Bloody Sabbath”: “Sabbra Cadabra”, “Spiral Architect”, “Supernaut”, “Sweet Leaf”, “Lord Of This World”, “Hole In The Sky”, “Symptom Of The Universe”, “Am I Going Insane”, “Junior’s Eyes”, “Never Say Die”, “All Moving Parts”, “Psycho Man” e “Electric Funeral”. Mas aí entraríamos num show de mais de 3 horas incompatível com quase setentões que tomaram doses industriais de drogas ao longo da vida.

Tommy Clufetos, ex-Rob Zombie e da banda solo de Ozzy, com a missão de substituir Bill Ward, dá conta do recado apesar de, obviamente, vir de outra escola de bateria. Seu longo solo, antes de “Iron Man”, serve não apenas para os velhos descansarem como também no sentido de um recado: “se não temos Ward, oferecemos a juventude e a potência de Clufetos”. Recado dado, “Iron Man” chega pra fazer história.

httpv://www.youtube.com/watch?v=rPQc64CUodA

Children Of The Grave”, uma das melhores e mais pesadas faixas já gravadas pela banda, chama o bis precoce e o inevitável frenesi com “Paranoid”. Ozzy parece ainda melhor que na última turnê, em 2011. Ele e Iommi trocam sorrisos o tempo inteiro. Sobretudo, a banda parece feliz e satisfeita em estar ali. Fechando um ciclo de uma história riquíssima, uma das mais interessantes e mais produtivas que a música nos deu. Os fãs, com clima de festa em família, reverenciam aqueles que tanto fizeram e tanto marcaram suas vidas. Não fica outra sensação senão a de privilégio.

Black Sabbath Setlist Esplanada do Mineirão, Belo Horizonte, Brazil 2013, 13 Tour

Avaliação dos discos do Sabbath era Ozzy:

Black Sabbath (1970) – *****

Paranoid (1970) – *****

Master Of Reality (1971) – *****

Vol. 4 (1972) – *****

Sabbath Bloody Sabbath (1973) – *****

Sabotage (1975) – *****

Technical Ecstasy (1976) – ***1/2

Never Say Die! (1978) – ***

13 (2013) – ***1/2

Show: *****

Download: discografia completa do Sabbath em FLAC 

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Destaques Reviews de Shows