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Ozzy Osbourne: ainda Madman

Foto: Hélio Monteiro/Sou BH

Difícil falar em Ozzy Osbourne sem evitar os superlativos. Para todos os efeitos, o Mr. Madman foi a primeira voz e o primeiro frontman da história do metal, lançando 6 clássicos seguidos (e outros 2 discos muito bons ) com o Black Sabbath de 70 a 78. Não vou me alongar nessa história de início do metal ou não, porque já o fiz aqui, aproveitando a resenha do show do Heaven & Hell em 2009.

Além de tudo, Ozzy é o cara que vendeu mais de 100 milhões de discos, um ícone com mais de 40 anos de carreira (e 18 álbuns de estúdio no currículo), um estandarte musical e cultural, gravado no imaginário popular, que fez de tudo: levou a cabo o Ozzfest por muito tempo, um dos maiores festivais itinerantes dos Estados Unidos, expôs tudo que não deveria expor no reality-show “The Osbournes”, lançou a própria biografia e se envolveu em muita, muita coisa.

A carreira solo extremamente bem sucedida começou com o assombroso “Blizzard Of Ozz”, de 1980, enquanto o Sabbath se reinventava com Dio. Ali estão não apenas clássicos como “I Don’t Know”, “Crazy Train”, “Suicide Solution” e “Mr. Crowley” – todas executadas no show – como o primeiro grande guitarrista “revelado”,  fazendo com que Ozzy sempre escolhesse muito bem o nome necessário para o acompanhar. Randy Rhoads fez história e morreu tragicamente cedo. De lá pra cá vieram Jake E. Lee, Zakk Wylde e agora Gus G. Com o peso de substituir Wylde, que passou 20 anos ao lado do Ozzy, tornando-se um ícone e alavancando sua banda, o Black Label Society, Gus G. cumpre a função. É certamente o mais poser dos guitarristas que já passaram pelo Ozzy (e o “tradicional” ventilador pro cabelo só confirma isso), mas manda bem no que é necessário fazer. Sua ex-banda, o Firewind, era elogiada justamente por ele, vindo daquela escola melódica altamente veloz e “técnica”, o que lança suspeitas num primeiro momento, mas está naturalmente contido com Ozzy. Fato é que Ozzy/Wylde já haviam entrado numa estafa criativa há bastante tempo (apesar do bom “Black Rain”, após álbuns duvidosos) e sangue novo oxigena um pouco as coisas.

Poser máximo

Ozzy faz questão de dar moral para o “new guy”, como ele mesmo chamou, convocando o público a saudar e gritar o nome de Gus G. antes da sessão de solos – obviamente para o Madman descansar – que teve direito até a “Brasileirinho”, um mimo que todos adoraram. A banda, aliás, é bem boa. A cozinha formada pelo baixo de Rob “Blasko” Nicholson e pela bateria de Tommy Clufetos, ambos ex-Rob Zombie, traz um punch agressivo e caprichado. E nos teclados nada menos que Adam Wakeman, filho de uma das maiores lendas da história do instrumento, Rick Wakeman do Yes (e que, bom lembrar, também tocou teclado no “Sabbath Bloody Sabbath”, de 1973).

Mas antes de continuar vale a pena gastar um pouco de tinta com o Hibria. Banda gaúcha de “metal tradicional”, com três discos nas costas, responsável pela abertura já com a casa cheia, fizeram bonito. E bacana foi a recepção do público – geralmente ruim – respondendo, respeitando e entrando na onda. Muito elogiados na época do debut “Defying The Rules”, de 2005, a banda tocou durante 40 minutos músicas também do “Skull Collector’s”, de 2009 e do recém lançado “Blind Ride”. Impressionante constatar como evoluíram, produzindo um som bem acabado dentro da proposta, com riffs e solos decentes, cozinha habilidosa – especialmente o baixista Benhur Lima – e um vocal que, se já não faz parte do que costumo escutar há algum tempo, tem bastante talento na presença de Iuri Sanson. Os caras andam prestigiados lá fora, com turnês por vários países e inclusive com uma mini-tour marcada para o Japão, país sempre receptivo a este tipo de som. Sem dúvida o Hibria se coloca na linha de frente do metal nacional, estando entre as principais bandas do país.

Ozzy entra no palco sem rodeios e pontualmente às 22:00. Troca algumas palavras com o público e manda “Bark At The Moon”. Início do inevitável delírio coletivo num Mineirinho praticamente abarrotado, com quase 15 mil pessoas. Pra uma cidade que foi considerada – com justiça – a meca do metal no Brasil, receber o “godfather” do estilo tem um significado especial. E a afirmação é tão clichê, piegas e blasé quanto verdadeira. “Let Me Hear You Scream” é a única do atual disco executada (uma pena, já que “Scream” é ótimo), abrindo para “Mr. Crowley”, um marco da sua carreira solo, verdadeiro hino para todos ali. E assim Ozzy vai mesclando clássicos da carreira solo, especialmente do já citado “Blizzard Of Ozz” e também “No More Tears” com o “Paranoid”, do Black Sabbath.

Impressiona o quanto, aos 62 anos e mais de 40 de loucuras e abusos nas costas, Ozzy ainda é um frontman único, insano, provocando e incitando o público a todo momento. Continua a jogar seus tradicionais baldes de água, sua pistola de espuma, chama os gritos, palmas, braços ao ar, agradece (o icônico “i love you all”). Pula, bate cabeça, gosta de ouvir os gritos de “olê, olê Ozzee, Ozzee”, apresenta a banda, se enrola numa bandeira do Atlético Mineiro que é jogada no palco (para delírio da maioria e vaias de tantos outros). É o mesmo Madman que conhecemos. Tem um sorriso estampado no rosto o tempo inteiro, convoca, xinga, exala um tesão e uma felicidade absurdas por aquilo que faz. E só isso já dá um prazer imenso de ver, além da conexão e sua empatia total com o público. A sensação é de que todo mundo ali realmente ama, respeita e se diverte com ele. Como se conhecêssemos um cara que faz parte há tanto tempo das nossas vidas e que já se expôs tanto, tão humano e cambaleante quanto cada um de nós.

Se Dio é a perfeição técnica extrema, Ozzy é a loucura e a combustão em estado bruto. É quem inventou boa parte da performance, da conexão, da possessão pura e simples. Se como ele diz, só vai deixar de fazer shows quando morrer, por mais que o metal exija tanto da parte física, a impressão é que as limitações do tempo parecem longe de estarem a altura da sua vontade e da sua paixão. Já que dinheiro, realmente, não é problema há muito tempo. E quantos artistas com 40 anos nas costas permanecem fazendo shows com esse tesão, lançando discos e se mantiveram presentes na cultura popular com tamanha força esse tempo todo? Pouquíssimos. Fora da “música pop”, então, outra raridade. E Ozzy permanece. Mandando hinos como “I Don’t Know”, “Shot In The Dark”, “I Don’t Wanna To Change The World” e “Crazy Train”.

Do Sabbath, curioso que as 4 músicas escolhidas sejam todas do “Paranoid”. “Fairies Wear Boots”, a primeira, absolutamente estupenda, já dá a exata noção da força do som que aqueles caras criaram. Preenche todo o ambiente, soturna e com os tons de Iommi falando alto, arrepia. Em “War Pigs”, o libelo anti-guerra, você pode conferir um pouco da loucura aí abaixo:

httpv://www.youtube.com/watch?v=V8Wia9hSNPI

No bis, fechando 1 hora e meia que passou rápido como nunca, a balada “Mama, I’m Coming Home” e a própria “Paranoid”. Reverências, êxtase, a história sendo feita. A impressão é de que, como ele mesmo deseja, uma volta para o Sabbath, repetindo a reunião de 1998, seria muito, muito bem-vinda. Seu show solo é excelente, mas há aquela força única do que ele criou ao lado de Iommi, Butler e Ward. Seja como for, estaremos todos esperando, acompanhando e agradecidos.

Setlist:

1- Bark at the Moon (Bark At The Moon, 1983)

2- Let Me Hear You Scream (Scream, 2010)

3- Mr. Crowley (Blizzard Of Ozz, 1980)

4- I Don’t Know (Blizzard Of Ozz, 1980)

5- Fairies Wear Boots (Paranoid, 1970)

6- Suicide Solution (Blizzard Of Ozz, 1980)

7- Road to Nowhere (No More Tears, 1991)

8- War Pigs (Paranoid, 1970)

9- Shot in the Dark (The Ultimate Sin, 1986)

10- Rat Salad (Paranoid, 1970)

11- Iron Man (Paranoid, 1970)

12- I Don’t Want to Change the World (No More Tears, 1991)

13- Crazy Train (Blizzard Of Ozz, 1980)

Bis

14- Mama, I’m Coming Home (No More Tears, 1991)

15- Paranoid (Paranoid, 1970)

httpv://www.youtube.com/watch?v=g1zB92pR3i0

httpv://www.youtube.com/watch?v=oSprCLmZ9U4

httpv://www.youtube.com/watch?v=hkU62enlOWA

httpv://www.youtube.com/watch?v=p_IMP-dObJE

Avaliação dos discos do Sabbath era Ozzy:

Black Sabbath (1970) – *****

Paranoid (1970) – *****

Master Of Reality (1971) – *****

Vol. 4 (1972) – *****

Sabbath Bloody Sabbath (1973) – *****

Sabotage (1975) – *****

Technical Ecstasy (1976) – ***1/2

Never Say Die! (1978) – ***

Ozzy carreira solo:

Blizzard Of Ozz (1980) – *****

Diary of a Madman (1981) – ****

Bark at the Moon (1983) – ***1/2

The Ultimate Sin (1986) – ***

No Rest for the Wicked (1988) – ****

No More Tears (1991) – ****

Ozzmosis (1995) – ** 1/2

Down to Earth (2001) – ***

Black Rain (2007) – *** 1/2

Scream (2010) – ****

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Destaques Reviews de Shows