O “indie”, como toda área da cultura pop, escolhe suas “tendências” sazonais, originadas e certificadas por vários motivos. De uns anos pra cá a mais forte delas passou a ser a apropriação do afrobeat de Fela Kuti. Ou pelo menos é o que eles alegam. De repente, toda bandinha surgida num inferninho do Brooklyn, na zona sul de São Paulo ou na periferia de Londres tem “influência de afrobeat” e se consideram “discípulos de Fela Kuti”.
É compreensível. Além de ter instaurado uma sonoridade única, misturando jazz, funk, música yorubá, big band’s, composições longas e intensa participação de instrumentos de sopro, Fela era um legítimo “agent provocateur”, “cool” até o limite. Engajado em causas sociais, como os Panteras Negras, chegou a concorrer duas vezes ao cargo de presidente da Nigéria, país de origem e onde viveu a maior parte da sua vida, cultivando a poligamia africana.
Discos como “Gentleman” (1973), “Expensive Shit” (75), “Shuffering and Shmilling” (77), “Original Suffer Head” (82) e “Music Of Many Colours” (86) construíram uma carreira brilhante, fazendo de Fela um dos músicos africanos mais celebrados na Europa e Estados Unidos, com toda justiça.
Até o indie contemporâneo começar a resgatá-lo e celebrá-lo, como se vê, levou um tempo. “Afrobeat” passou a ser palavrinha fácil na descrição de bandas e resenhas de ícones dos indies, como Pitchfork, Paste Magazine, Stereogum, NME e tantos outros. Bandas de qualidade duvidosa que foram hypadas para muito além do aceitável, como Vampire Weekend e Dirty Projectors, passaram a carregar o cetro do afrobeat.
No Brasil, coisas inomináveis como Holger não demoraram a entrar no bolo. No Festival Eletronika, em 2010 em BH, presenciei na mesma noite o show de um duo de Nova York, Tanlines, igualmente com alegadas influências de Fela e do Holger. É incrível o pastiche, a falta de direção, inspiração, uma música totalmente sem rumo, sem alma, sem qualquer capacidade de envolver, de provocar. Exatamente a antítese de tudo que o afrobeat representa.
A “onda Fela”, que ganhou musical na Broadway há algum tempo, permanece como uma das principais tendências do “circuito indie” desde 2009, pelo menos. Por aqui, bandas como Bixiga 70, de São Paulo, foi a única a conseguir fazer um trabalho decente nessa linha. Coisas como Abayomy Afrobeat Orquestra, do Rio de Janeiro, forçam a barra até não poder. É preciso faturar enquanto se pode.
Como quase tudo que o “indie” se apropria, o afrobeat é negligenciado e usado apenas para justificar a pretensão de uma dúzia de “músicos” incapazes de segurar o que compõe. Não se trata de tradicionalismo ou qualquer bobagem do gênero. Apenas é bom ficar esperto para os golpes que se aplicam por aí.
Para quem quiser ouvir afrobeat de verdade, recomendo ir até a fonte.