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Entrevista – Curumin: brazilian groove de respeito

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Curumin é um exemplo de artista brasileiro que começa sendo reconhecido mais lá fora do que aqui dentro e, a partir disto, estoura em terras nacionais. Escolhido pela atriz Natalie Portman para uma coletânea beneficente virtual a venda no ITunes (“Big Change – Songs For Finca”), colocado ao lado de outros nomes badalados como The Shins, Beirut, Tokyo Police Club e Anthony And The Johnsons, Luciano Nakata levou sua música muito além: “Japan Pop Show” já é considerado, fácil, um dos melhores discos brasileiros do ano, trazendo uma mistura suingada que demonstra o talento e a criatividade de poucos, ao contrário de muitos que tem apenas a “força de vontade”. Por telefone, Curumin contou detalhes da carreira, do álbum, falou sobre sua sonoridade, a cena independente brasileira e se, afinal, levou ou não Natalie Portman pra cama. 😉

Movin’ Up – Como é essa praga da música brasileira de que o cara tem que ser reconhecido primeiro lá fora para depois ter respeito por aqui? Somos tão incompetentes a ponto de importar até os hypes? Ainda precisamos de um atestado gringo pra gente acreditar que é bom?

Curumin – Acho que hoje em dia temos uma produção cultural muito grande, muita coisa sendo feita, então também é muito fácil ficar perdido no meio disso. As pessoas ficam procurando referências, de quem consideram que tem “bom gosto”, uma dica de um jornalista num blog, enfim, procurando coisas interessantes no meio desse bolo. Rola um pouco de deslumbre também com coisa de estarem ligados à música gringa e o pop europeu. Sempre tivemos uma admiração muito grande por coisas de fora, mas às vezes temos essa impressão de que realmente ainda achamos que é mais importante a opinião deles do que a nossa, temos dificuldade de pensar por conta própria, o que é ruim. Acho legal e engraçado, porque pra mim foi bom, mas realmente você vê que tem um peso muito grande. A galera abaixa a cabeça, é fissurada nesta coisa de novas tendências e muitas vezes fica preso a isso.

Movin’ Up – Lá fora o músico brasileiro é encarado ainda como exótico, um “corpo estranho”, ou já descobriram que somos seres humanos normais? Como é o relacionamento, em geral?

O mercado lá fora ele se caracteriza muito por ser coisas de nicho. Você pode fazer um samba de raiz e tocar lá fora: vai ter gente que vai gostar, curtir e tal. Até mesmo um som que não seja tradicionalmente brasileiro, com outras características, outros estilos, tem público que gosta. Pelo menos pra mim, pra galera mais jovem, que tem mais a ver com seu som, acho que isso de ter outras linguagens misturadas é importante. Misturo um pouco do funk e do soul americano e eles entendem melhor, soa diferente, mas compreendem melhor do que eu chegasse lá com uma batucada de raiz, aí sim seria algo exótico, que não interessa. No meu caso, é diferente pra eles, sendo algo que eles gostem, pelo música em si e não exclusivamente pela minha nacionalidade.

Movin’ Up – Você faz parte dessa geração de artistas brasileiros que misturam-tudo-que-ouvem-e-que-encontram-pela-frente, jogando num único saco e vendo o que sai daquilo. No entanto, parece-me que o “Curumin trademark” é um dos mais bem-sucedidos. No seu caso, é algo natural, reflete sua própria vida e experimentações, etc, ou tem, também (porque não?), um pouco do viés “para exportação” nitidamente contido nessa brincadeira toda?

Eu nasci e cresci em São Paulo, classe média e tal, então acho que sou da turma que foram crianças muito bombardeadas por música pop dos EUA e britânica, mas não só isso. Por referências mil, estando em SP, é natural que isto aconteça. Ouvi hip hop, samba, reggae, durante toda minha vida. Eu não sou de nenhuma tradição, não nasci num terreiro de samba, não pertenço a nenhuma linhagem específica. Desde pequeno sempre ouço de tudo, totalmente fora do padrão, do básico, ou de ser algo de família, mostrado pelo pai, etc, nunca tive isso.

E as coisas foram caminhando até hoje, a “era do Ipod”, por assim dizer, onde você tem uma caixinha com cinco mil músicas de diversos estilos, fontes, regiões do mundo.

Pra mim a coisa da diversidade sempre foi minha raiz, minhas referências. Na verdade é engraçado porque me apego a coisas mais tradicionais, antigas, de samba, funk, reggae, salsa…justamente por não ter compromisso com uma raiz sólida ou definida.

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Movin’ Up – “Japan Pop Show”, inclusive, me parece melhor elaborado e melhor resolvido nesta parte. Como os convidados e os produtores contribuíram no processo de elaboração dele?

Nas participações, fomos chamando quem a gente achava que tinha a ver com a música que estávamos fazendo…de repente saia algo e vinha na cabeça, “po, isso tem a cara de não sei quem, tem a mão de certa personalidade musical”. Então tem musica que tinha a ver com o Catatau, o Marku, a galera do Turbo Trio e aí fomos pegando quem tinha a ver com o álbum.

O jeito de fazer foi mesmo em três. Eu, Gustavo Lenza e Lucas Martins. O Lenza é o cara do som, de saber tirar o melhor som, desenvolver essa estética sonora, do colorido dos timbres. O tempo inteiro ficamos conversando, trocando idéia. O Lucas é um super instrumentista, ligado nessa coisa de groove, montar a matemática da poliritmia, combinar os instrumentos, ele foi muito importante neste sentido. Foi um processo colaborativo, com todo mundo falando o tempo inteiro.

Eu cuidei das letras, as programações e ia participando de tudo um pouco. É mais ou menos isso. Foi feito a três mãos. Resolvíamos tudo em conjunto e foi bem legal, na democracia.

Movin’ Up – Suas letras tem bastante conteúdo político e social, com uma “descontração incisiva”, digamos. Isto é algo definido, que você faz questão de colocar, ou pode estar em maior ou menor grau de acordo com o trabalho, o seu clima na época, etc. O que acha da “música ativista”?

Eu não sou um sujeito super politizado, de âmbito político ou de partido, que defenda uma bandeira ideológica definida. Sou mais ou menos como todo mundo, acompanho as coisas pela mídia e acho que tenho muita vontade de falar, pelos últimos tempos, pelo que aconteceu, por momentos cruciais em que chegamos, da ética, da dignidade, em relação a isso.

Acho que chegamos realmente a algo que veio muito a tona, muito forte. Um momento de pensar a sociedade política, o âmbito destes movimentos num todo. Sobre a corrupção, acho que é algo muito suscetível ao homem. O álbum tem essa urgência, de ser lançado num momento forte, importante, e acabei pensando nisto num todo.

Não sei se pode rolar em outros discos, talvez sim, talvez não. Não quero me limitar a isto, nem dizer que eu sou ativista, nem que não vou fazer nunca mais. Mas acho que sem dúvida esse disco está ligado muito a este momento.

Mas sempre adorei música de gente que faz composições ligadas a movimentos de cultura, política, direitos humanos, especialmente a música negra. E aqui no Brasil também, com essa coisa da ditadura, tivemos um momento muito criativo de música ativista, que eu sempre admirei. Foi parte importante deste trabalho em si, mas não me resumo a isto.

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Movin’ Up – Este ano você tocou na maioria dos grandes festivais independentes brasileiros, que dependem basicamente de leis de incentivo a cultura. Qual a sua avaliação desse circuito?

Eu acho que o mais legal dos festivais é que tem gente curiosa, interessada, de ouvir outras coisas além do mainstream, o rádio em geral, o que a mídia empurra. Então é legal você sacar, além desses, quem te conhece, acompanha, que curte e tava esperando rolar um show…

E é legal o papel destes festivais pra fomentar isso. Acho que precisa crescer principalmente em termos de estrutura. O público ta crescendo também, o artista vai junto e a cena vai se formando, melhorando. É importante prezar sempre por um som bom, pagar um cachê legal….o que ainda não rolou, não ta rolando tão bem…mas já estamos num primeiro passo, a coisa tá acontecendo.

Acredito que não pode parar por aí, mas tem que tomar muito cuidado, quem faz, com essa coisa de organização, de pensar o festival em termos de cast, etc, tem que saber bem o que ta fazendo…..pra não privilegiar um artista em especial, uma tendência em detrimento de outras. O curador tem que ser fera nisso…fugir de esquema, de coisas de amizade, essa “cultura do relacionamento” que a gente tem, no seu pior sentido. Mas trazer coisas diversas, plurais…acho que ainda temos um caminho longo pra isso. Não é possível que num país desse tamanho todo mundo “fechou” pra mesma coisa.

Movin’ Up – Meios alternativos de vender sua música é uma constante no seu trabalho. O que começou de forma amadora e tímida, hoje é uma realidade profissional, com lojas virtuais decentes, SMD, etc. Diz o release da sua gravadora:

Vivemos um momento paradoxal em que o esquema viciado da grande gravadora-jabá destrói-se a si mesmo num processo autofágico. Enquanto isso, surgem novas vozes de uma geração que teve acesso a toda informação, que bebeu de diversas fontes e está ávida por expressar sua concepção de mundo. Nesse ambiente peculiar, potencialmente representativo de uma mudança pra melhor, surge Curumin cantando, tocando e compondo.”

Como você se preocupa em fazer uso destas possibilidades e qual o viés social disto?

Na verdade, hoje em dia, quando eu vou colocar minha música, para quem provavelmente irá gostar dela, eu quero que o disco chegue até as pessoas, além de ganhar dinheiro, vender o disco, transformar isso em lucro, quero que quem está interessado consiga achar. Esta coisa de CD físico tem uma limitação muito grande…distribuir no país todo, etc.

E através do virtual eu consigo chegar em qualquer lugar. Que é o papel da internet. Eu mesmo coloco, e chega em todos os lugares, pra quem quiser ouvir, de Belém a Porto Alegre, dentro e fora do Brasil,..sendo uma rede muito maior do que o recado que eu consigo passar através do disco físico, independente do formato…o importante é que as pessoas ouçam.

Movin’ Up – “Japan Pop Show”, sem dúvida, estará nas listas de melhores do ano (na minha com certeza). Como é lidar com toda a badalação em cima do seu nome – fama, dinheiro, groupies, mimos? (risos) Falando sério, há vida sustentável para o artista independente nacional?

(Risos) Hoje dá pra viver de música sim. Eu não vivo só do meu trampo, faço várias outras coisas justamente pra somar, mas acaba rolando. O reconhecimento eu acho massa, fico contente de saber que você fez um disco que as pessoas gostaram e tudo. Então pra mim é importante que as coisas tenham dado certo.

Esse ano foi um ano que deu pra tocar onde nunca tinha tocado. Deu pra viver coisas novas, que é o mais valioso, poder ver que rolou a aceitação da música. E é bacana. Dá um gás pro próximo, dá uma instigada criativa, de fazer um novo álbum…com várias idéias a partir dessa resposta mesmo, que acaba trazendo várias coisas que você mesmo não enxerga. Então a melhor parte do feedback, das turnês, é isso. Pra ativar as idéias, surgindo toda uma experiência que auxilia no processo criativo do próximo disco.

Movin’ Up – Cara, pra terminar, a hora da verdade. A pergunta que toda a cena musical brasileira se faz nos últimos tempos: afinal, você comeu a Natalie Portman?

(risos) Porra, já pensou? Eu adoraria…mas nem sequer conheci ela, nem nunca conversei por email com ela. Sempre foi coisa de assessor. Até recebi uma carta em nome dela, mas sem dúvida foi algo padrão que ela nem ficou sabendo, (risos) que foi mandada para vários integrantes da coletânea…E ela é baixinha né? E tal…mas quem sabe um dia eu cruzo com ela e dou uma chance. (risos)

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