Skip to content →

Em “A Viagem de James Amaro”, Luiz Biajoni abandona a literatura policial e parte para a estrada

Por Maurício Angelo

Biajoni já não é nenhum novato. Blogueiro da velha guarda – se é que isso existe – carrega cinco livros nas costas: “Vírginia Berlim”, “Buceta”, “Sexo Anal” e “Boquete” (sua trinca de novelas policiais sacanas que foram também lançadas em volume único com o título de “A Comédia Humana”) e “Elvis&Madona”, livro que se baseou no filme de mesmo nome, invertendo o caminho tradicional literatura-cinema.

Saindo da seara policial em que se especializou, Biajoni vai para estrada com seus personagens James Amaro e Alex Viana em seu novo livro, “A Viagem de James Amaro”, editado pela Língua Geral. A capa excelente de Lourenço Mutarelli, um dos principais nomes da história do HQ nacional, é o convite para uma trama que lembra F. Scott Fitzgerald (não por acaso citado diretamente) e o melhor dessa tradição “on the road”, ao som de muito jazz.

Numa época em que tudo é “autoficção”, nada parece ser ficção mais. Numa época em que quase todo autor propositadamente baseia-se na própria história de vida para coisas escancaradamente “inspiradas ou não”, pouco importa, no fim, o rótulo que tentam vender. O que existe é literatura: boa ou má. O resto é coisa de pavão de cativeiro. Foi sobre isso que Biajoni falou nessa breve entrevista.

11390021_895140653880802_7463365811252860307_n

Movin’ Up – Biajoni, autoficção de cu é rola?

Talvez “autoficção” seja o próprio cu, um buraco apertado. Tudo é ficção, não precisa do “auto”. Mas como esse termo começou a ser muito utilizado e tal, decidi enfiar meu dedo nele.

Movin’ Up – Se tudo, em todo lugar, o tempo inteiro é sexo, as pessoas tem – pasmem! – desaprendido a transar? E/ou também o sexo não é um tanto superestimado na sociedade?

Sexo é superestimado. Nelson Rodrigues já disse. Não sei se as pessoas desaprenderam a transar… Depois de muito tempo, enquanto escrevia o livro novo, entrei em alguns sites de vídeos de sexo para dar uma olhada, pensando sobre o que James Amaro podia procurar na internet. Achei tudo meio estranho, brochante, essa coisa que a garotada tem de filmar. James não filmaria – nesse sentido somos parecidos.

Movin’ Up – Falamos de sexo porque seus livros até aqui tinham a fodelança, de certa forma, como protagonistas. Não que o pobre menino rico James Amaro não viva em função de foder. De certa forma, é um estereótipo do escritor-brasileiro-branco-classe-média-que-aspira-vida-confortável-comedor-de-menininhas-de-eventos-literários?

Penso que para ricos, “foder” muitas vezes é só uma afirmação e/ou demonstração de poder. Ricos não tem muito o que fazer com o dinheiro, geralmente não têm gostos simples como a literatura, as artes… então vão foder. Não acho que ele seja estereótipo disso que você escreveu – nem sei se isso existe. Se existe, deve ser algo como escritor-brasileiro-branco-classe-média-que-aspira-vida-confortável-comedor-de-menininhOs-de-eventos-literários.

 Movin’ Up – Seu livro transpira aqueles road movies ariscos, sem dispensar uma boa dose de tragédias pessoais.

 Sempre que vou escrever um livro penso no que ele pode ter de diferente e escolho um gênero para reduzir o espaço imaginativo. Muita liberdade não é muito bom na hora de criar, é bom ter alguns parâmetros e limitações. Era um história do reencontro de dois amigos e eles precisavam dialogar por algumas horas. Podia ser num balcão de bar. Podia ser dentro de um leito hospitalar, cada um em uma cama. Optei por colocar os dois dentro de um carro – aí teríamos as paisagens lá fora e a trilha sonora. Acho que funcionou.

Movin’ Up – De Miles Davis e John Coltrane a Dave Brubeck e tantos outros, seu livro indica o tempo todo a trilha sonora, algo que você realizou também de alguma forma em Vírgina Berlim. Quem te conhece sabe que você gosta, pesquisa e entende do riscado. Os álbuns escolhidos simbolizam algo além do seu próprio gosto pessoal?

Uma coisa bem interessante no jazz são os nomes das músicas. Muitos músicos, como Miles Davis, não se importavam com os nomes, tascavam qualquer coisa. Para a “trilha” dessa viagem, usei alguns métodos… Primeiro, se o nome da canção tinha a ver com o momento. Depois, se a vibração casaria com o que estava sendo dito. Por fim, se o tempo da canção bateria mais ou menos com o tempo de deslocamento do carro. Foi divertido. Gosto de todas as músicas, em especial de “Che Tango Che”, do Piazzolla – seria uma ótima canção para uma cena de sexo quente.

Movin’ Up – O jazz, já há algum tempo, tem se tornado um mero “rótulo de qualidade” para eventos de gosto no mínimo duvidoso. “Jazz no parque”, “jazz na praça”, “café com jazz”, etc. Quanto de desconhecimento e quanto de deslumbre pelo tom erradamente elitista que o jazz se tornou você acha que existe nisso?

Bom, se ele está se difundindo como você está dizendo, está deixando de ser elitista – e isso é bom. Pessoas podem não gostar de jazz por não estarem habituadas. Em casa, minha filha de 9 anos, ficava meio incomodava e brigava comigo quando eu colocava jazz para ouvir. Depois de um tempo, se acostumou – e hoje até acompanha assoviando.

Movin’ Up – Você participou do famoso seminário de Robert Mckee e inclusive fez questão de agradecê-lo pelo “insight” no livro. Qual a influência de Mckee em James Amaro?

McKee teve uma influência em “Boquete”, última novela de “A Comédia Mundana” – usei ali coisas que ele coloca no seu “Story”. O insight para James Amaro aconteceu no seminário “Genre”… Tem esse truque em séries de revelar as coisas aos poucos; algumas coisas são reveladas dentro de um capítulo mas as informações mais importantes ficam para o final da temporada e tal. Tive a ideia para revelações que mudassem a percepção do leitor sobre os personagens ao longo do romance. Foi uma coisa simples, que desenvolvi depois.

Movin’ Up – Paraty funciona mais como um destino idílico que propriamente parte da história. Qual é o lance com Paraty?

Basicamente, a escolha de Paraty tem a ver com o trecho conturbado da Estrada Real. Aquele trecho é realmente horrível e perigoso, já passei por ali. O ápice das revelações acontece ali, enquanto estão descendo aquela serra barrenta e perigosa. A ideia principal de ter Paraty como destino foi do Grande Carro Branco de James ter que passar por aquele trecho.

Movin’ Up – Falando na cidade, você esteve recentemente lá para mais uma FLIP. O que você pode dizer o “estado da literatura brasileira atual” em termos de como os escritores se comportam e como funciona o mercado?

Cara, não tenho nada a dizer pois não sou de nenhuma das panelas. Não fui a nenhuma festa. Fico sempre meio impressionado sobre como alguns escritores se comportam, o que alguns falam, mas entendo que o clima da festa gere alguma euforia e a gente se descontrola. Também há a cachaça. Numa festa como a FLIP não dá para constatar o “estado da literatura brasileira atual”. Talvez isso seja coisa para acadêmicos.

Movin’ Up – Depois de Vírgina Berlim, da literatura policial e de cair na estrada, qual a próxima jogada de Biajoni?

Algo diferente. Talvez uma novela com idosos. Talvez uma história de amor que se passe em Paris. Antes do livro novo talvez role uma coletânea de contos e textos esparsos, gostaria de juntar algumas coisas num volume. Vamos ver.

11143134_895140467214154_6680181907857724251_o

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Entrevistas