Por Maurício Angelo
No meu texto sobre a primeira temporada de True Detective, o eixo principal, exposto no título, era: “é tudo sobre pais e filhos, estúpido!”. E de fato era. Essa segunda temporada, então, do primeiro ao último minuto, é integralmente sobre família. Mas tudo que deu certo na primeira, acabou dando terrivelmente errado aqui. A química dos atores, os ganchos de cada episódio, a qualidade do texto, a coesão.
Não é só a expectativa altíssima criada pelo sucesso da primeira investida. E se elas tem esse eixo em comum, a possibilidade de comparação acaba aí. Nic Pizzolatto, reconheçamos, topou correr riscos. Começar cada temporada do zero, com outros atores, outro cenário e outro roteiro, é sempre aposta arriscada, coisa que pouquíssimos fazem. E, na sua ânsia em entregar outra coisa tão boa quanto, fracassou. Cortando laços com o diretor Cary Joji Fukunaga (que dirigiu todos os episódios da primeira temporada), Pizzolatto apostou num quarteto de atores que simplesmente não funcionaram juntos: Vince Vaughn, Colin Farrell, Rachel McAdams e Taylor Kitsch (o personagem mais interessante dos quatro), foram comprometidos, também, por um roteiro confuso, exagerado, preocupado demais em complicar a história ao invés de contar uma decente.
O primeiro episódio enganou, contudo. Colocando todas as peças na mesa e juntando-as no último minuto, Pizzolatto criou um arco narrativo eficiente e capaz de, a partir dali, desenvolver tudo que ele quisesse. Mas não foi o que aconteceu. Depois do primeiro episódio, é quase tudo ladeira abaixo. Uma infinidade de conspirações políticas e criminosas, um crime mal explicado, motivações vagas e uma absoluta incapacidade de envolver o espectador, de nos fazer importar realmente com o que estava acontecendo. Esse bom artigo lista 7 motivos principais do porquê essa temporada fracassou. É um ótimo resumo de tudo que foi falado nos últimos 2 meses.
Pizzolatto é obcecado com as implicações da família na vida dos seus personagens: desde a primeira cena, quando Velcoro (Farrell) deixa seu filho na escola, tentando fazer com que o moleque fosse forte o suficiente pra encarar o bullying, a eterna dúvida da paternidade ou não, o estupro da sua ex-esposa e sua relação conflitiva com o filho: tudo artificial demais, tudo forçado em demasia. Assim como o próprio pai de Velcoro, ex-policial corrupto que, supostamente, seria sua imagem e semelhança.
O suicídio da mãe de Bezzerides (McAdams) e sua relação distante com o pai, guru espiritual de envolvimento direto e superficial com alguns dos protagonistas da história. A sua postura diante da irmã. A relação quase incestuosa de Woodrugh (Kitsch) com a mãe e seu filho não desejado. A incapacidade de Frank (Vaughn) de ter um filho com sua esposa Jordan (Kelly Reilly), outro ponto central da história e, sabemos no fim, o ódio que o próprio pai sentia dele. Os dois órfãos que acabam sendo pivôs para a resolução do crime e o encerramento da temporada.
Enfim, se a primeira já era, a segunda temporada de True Detective é família, família, família. Já disse aquela sentença famosa de Tolstoi: “todas as famílias felizes são iguais, mas cada família infeliz é infeliz à sua própria maneira”. Essa frase não só resume as motivações de Pizzolatto como desconfio que, direta ou indiretamente, ditou o desdobramento do roteiro.
E se o que se mostrou brilhante lá atrás, aqui ficou refém não só da mediocridade mas como de frases ridículas como “não faça nada quando estiver faminto, nem mesmo comer” e “like blue balls in my heart”, que dispensa tradução, pra ficar só em dois exemplos.
Algo que não decaiu, no entanto, foi a trilha sonora. Desde a abertura, com a brilhante escolha de “Nevermind” do Leonard Cohen (que passou batida no seu disco do ano passado, o bom “Popular Problems”) e sua letra que se encaixa perfeitamente com os meandros da série até o miolo da trilha, incluindo a onipresente e fantasmagórica “My Least Favorite Life” de Lera Lynn, sempre cantando “no bar mais depressivo do mundo”, tudo novamente com a supervisão de T Bone Burnett.
O desfecho de Frank, apesar de bem elaborado, parte de uma ação totalmente estúpida que ele só toma porque o roteiro exige. É um símbolo do fracasso de Pizzolatto aqui. Essa temporada não precisa de comparações para revelar a sua mediocridade: mesmo que a primeira não existisse, essas 8 horas e meia não se sustentam por conta própria.
Fica, agora, a dúvida: vale a pena investir numa terceira temporada? O autor teria interesse suficiente e será capaz de aprender com os erros dessa para retornar com algo artisticamente instigante, para além do retorno financeiro quase certo? A história mostra que um dos predicados mais difíceis é saber a hora de parar, a hora de encerrar a jornada de um produto de sucesso, outro erro comum das séries americanas: sempre duram muito mais do que deveriam. É difícil resistir à tentação do dinheiro fácil.
Pizzolatto e equipe ainda tem crédito no mercado, no entanto, para fazer o que quiserem. Tornar-se o pastiche do pastiche, um arremedo de fórmula requentada, todavia, seria uma continuação triste para uma série que, em sua primeira temporada, entregou uma das melhores coisas da história da televisão.