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Labirinto, Swallow The Sun, Fates Warning, Alcest e God Is An Astronaut: exercícios de admiração

No último sábado, São Paulo recebeu um festival com uma proposta corajosa considerando os padrões brasileiros: o Overload Music Festival reuniu grandes nomes do que se convencionou chamar de “post-rock” e “blackgaze”, mas que na verdade esconde muito mais coisa do que um rótulo define. Labirinto, da própria capital, os franceses do Alcest e os irlandeses do God Is An Astronaut se juntaram a duas bandas de estilos mais tradicionais e planos, caso de Swallow The Sun e Fates Warning.

O Via Marquês, na Barra Funda, recebeu bom público, majoritariamente “metaleiro” – sim, metaleiro, vamos parar com esse negócio de “headbanger” – não exatamente coerente com o headliner, apesar das cinco bandas guardarem estilos minimamente “confluentes” e todos com o fator “peso” embutido.

O Labirinto abriu o evento com os 25 minutos de “Masao”, a faixa lançada em 2014 que presta tributo a Yoshida Masao, diretor da usina de Fukushima em 2011, durante os acidentes nucleares e catástrofes naturais que assolaram o Japão. Considerando que acompanho o Labirinto desde 2009 e nunca tinha tido a oportunidade de ver um show deles – não tão frequentes assim – estava na fissura para ver ao vivo uma banda complexa, intensa, que sempre se caracterizou pelo cuidado mínimo em cada detalhe, capaz de produzir som rico e com pouquíssimos pares mundo afora, nos timbres que usam, nas harmonias que produzem e em toda essa frescurada de adjetivos que usamos para expandir o simples: os caras são fodas pra caralho e, ao vivo, isso fica ainda melhor.

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Além de “Masao”, as canções do split com o thisquietarmy ditam o curtíssimo set, de apenas 40 minutos: insuficiente para aplacar a vontade do público e a minha, em especial. Ao vivo, o Labirinto cresce em peso e impressiona ainda mais que em estúdio, apesar da falta das projeções que caracterizam os shows do grupo e sempre valorizam as apresentações.

Em seguida, foi a vez dos finlandeses do Swallow The Sun, com som calcado no metal, nem tão death, muito menos doom ou “gothic”, como se definem. Apesar dos 5 álbuns nas costas, o que o Swallow apresenta é um som extremamente comum, derivativo, que não acrescenta nada de interessante. É metal que bate cabeça ensaiadinho e puxa coros previsíveis. Um triunfo da mediocridade bem produzida.

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O Fates Warning é um caso interessante: “pais” do prog-metal, uma das primeiras bandas a unir a tradição do Rush e (em especial) do progressivo sinfônico com o heavy metal tradicional, definiu muito do que veio depois deles: do Queensryche ao Dream Theater. O problema é que o Fates Warning não alcançou nem um décimo do sucesso das duas bandas citadas e de muitas outras que vieram depois.

Entrando no ostracismo, o grupo ficou 9 anos sem lançar disco, retornando em 2013 com “Darkness In A Different Light”. Na verdade, Jim Matheos e Ray Alder, líderes e principais compositores, abandonaram o Fates Warning para se dedicarem a projetos paralelos com gente graúda do prog, como Kevin Moore e Mike Portnoy, especialmente no OSI e no Redemption.

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No palco, a banda sabe o que faz, mesclando clássicos – como as 4 partes que tocaram do conceitual “A Pleasant Shade Of Grey” – com material novo. Alder já vacila em alguns momentos e a empolgação do público varia. Mas a sensação que fica é que o prog metal é um estilo superado, que envelhece ainda pior que os outros subestilos do progressivo – e são muitos. Bom e esquecível show.

Chegando aos headliners, os problemas começaram a aparecer: o excesso de bandas e o fato da maioria delas não terem realizado a passagem de som durante o dia gerou atrasos significativos. O Alcest, banda francesa que surgiu com uma mistura de “black metal” com “shoegaze”, lançando dois bons álbuns em 2007 e 2008, descambou para o “dreampop” mais fofo e menos inspirado nos últimos lançamentos, incluindo o recém “Shelter”.

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De lá pra cá, o que resolveram chamar de BLACKGAZE foi adotado por novas bandas como Deafheaven, Woods of Desolation e Lantlôs. A influência de Burzum e Summoning, misturado com texturas mais suaves, vocais melodiosos e parede sonora “etérea”. Eis a fórmula do Alcest que funcionou muito bem em “Souvenirs d’un autre monde” e “Écailles de lune“.

Felizmente, ao vivo a banda carrega no peso, minimizando as partes mais “fofas”, apresentando um show interessante, liderados por Neige, fundador e responsável por 300 outros projetos paralelos que fazem basicamente o mesmo tipo de som. Impressionou o público que o Alcest arrastou, maioria sub-18, tendo bastante adeptos para uma banda do underground de um estilo tão específico.

Mais atraso e os irlandeses do God Is An Astronaut entraram no palco já passando das 03:30 da manhã.  Com mais de 10 anos de carreira, o GIAA talvez seja a banda mais orientada para a parte eletrônica do post-rock, com óbvias influências de Kraftwerk e Tangerine Dream. Do primeiro, “The End Of The Beginning”, de 2002 até “Origins”, do ano passado, a banda construiu seu nome entre os grandes do estilo e do cenário “alternativo” mundial, no todo.

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Os irmãos Torsten Kinsella (vocal, guitarra, teclado) e Niels Kinsella (baixo, guitarra), com Lloyd Hanney na bateria e os “novatos” Jamie Dean (teclados) e Gazz Carr (guitarra) fazem um belo estrago ao vivo.

Sobretudo, impressiona o tesão e a vontade com que tocam, dando tudo de si em cada música, intensificando as partes pesadas – como dita o figuro de calmaria/explosão típico do post-rock. Daí lembramos de como é bom ver uma banda que está no auge, com a energia lá em cima, em pleno desenvolvimento da carreira, e não grupos que já deram tudo que tinham que dar e fazem turnês apenas pra cumprir tabela, como a maioria (ainda) dos shows que vem pro Brasil.

Músicas como “All Is Violent, All Is Bright”, “Remembrance Day”, “Fragile”, “Forever Lost”, “From Dust To Beyond” e “Fire Flies and Empty Skies” ditam o ritmo de uma apresentação excelente, que jamais deixa o nível cair. Caprichando no peso e na interação com o público, o GIAA mostra porque é uma das melhores bandas da atualidade.

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Infelizmente, durante “Red Moon Lagoon”, já no final do show, o som é cortado subitamente, gerando uma baita anti-climax e desconforto na banda e no público. Com a alegação de que o sistema de som “queimou”, desculpa pouco aceitável, a banda volta e pede desculpas ao público, conversando mesmo sem microfone e autografando material, um fim lamentável para uma apresentação que seguia praticamente irrepreensível.

Beirando 5 horas da manhã, a produção pagou literalmente o preço da organização falha, gerando atraso demasiado entre os shows, penalizando a atração principal. Algo que sem dúvida deverá ser corrigido para edições posteriores. É preciso um tanto de coragem para bancar um festival desse no Brasil. Cinco bandas de post-rock/metal com custos altos de logística e público na casa das 1.200 pessoas. Mais um motivo para que o ocorreu fosse evitado. Aparentemente, o saldo foi positivo para a Overload, que já anunciou no facebook estar conversando com atrações para 2015.

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Um festival menor – com 3 bandas no máximo – seria um bom começo, evitando a maioria dos transtornos. Nomes como Ulver, Agalloch, Deafheaven, Russian Circles, Neurosis, Anathema, Opeth, Sigur Rós, Godspeed You! Black Emperor e muitos outros estão aí para quem puder bancar um festival com essas características. Público fiel não falta.

 

God Is an Astronaut Setlist Overload Music Festival São Paulo 2014 2014

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Destaques Reviews de Shows