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No PDR 2014, CJ Ramone, Titãs e Cavalera Conspiracy resgatam a própria história

As principais atrações do segundo dia do Porão do Rock 2014 tiveram uma coisa em comum: o inevitável tributo à própria história em faixas, que paradoxalmente, simbolizam os novos trabalhos: “Last Chance To Dance”, “Nheengatu” e “Pandemonium”.

Nem poderia ser diferente no caso de CJ Ramone: um dos últimos integrantes vivos, responsável por “rejuvenescer” o som dos Ramones na fase derradeira da banda (89-96), cabe a CJ viver na sombra da história e produzir o que se espera do “american punk”: mais do mesmo.

É o que revela canções de discos solos como “Reconquista” e novas como “Carry Me Away”, ao lado de clássicos inevitáveis como “I Wanna Be Your Boyfriend”, “Blitzkrieg Bop”, “Do You Wanna Dance?”, “Strenght To Endure” e “California Sun”. O show é correto, seguro, sem surpresas. Cabe a CJ o que cabe a todo integrante coadjuvante de bandas históricas: carregar o legado entre arremedos de canções próprias, tocando em todo canto que te oferecerem. Só no Brasil, foram 7 shows nessa turnê.

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Já o Titãs é um caso interessante. Possivelmente a maior banda de rock desse país nos últimos 30 anos – rock, stricto sensu – experimentou o sucesso absoluto nos anos 90/00 com dois discos acústicos e platitudes como “A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana” e “Como Estão Vocês?”, a perda sucessiva de integrantes numa banda inchada e que mais parecia um coletivo de artistas e uma série de lançamentos ao vivo até atingir o pior nível da carreira com “Sacos Plásticos”, de 2009.

Dessa maneira, é difícil ignorar a força que “Nheengatu” resgata, o 12º de estúdio da discografia. Ainda que as letras sejam dignas de comentaristas revoltados de portal e a “crítica” contida seja tão rasa quanto possível. É o “Cabeça Dinossauro 3.0”, vindo na esteira da turnê de comemoração dos 20 anos do disco.

Mascarados, no figurino que adotaram para a turnê, a banda começa com “Fardado” e vai elencando várias do novo álbum. No total, são 10 músicas de “Nhengatu” executadas: “Mensageiro da Desgraça”, “República dos Bananas”, “Cadáver Sobre Cadáver”, “Fala, Renata”, “Pedofilia”, “Chegada ao Brasil (Terra à vista)”, “Eu Me Sinto Bem”, “Baião de Dois”, “Senhor” e “Quem São Os Animais?”. Todas com até 3 minutos e meio e a maioria curtíssima, com 2 minutos.

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Se em disco muito disso soa como revolta tardia e planificada de meia dúzia de tiozões querendo mostrar serviço, no palco o disco funciona muito bem. É pesado e incisivo, sem dúvida. Dá gosto ver os resgatarem o tesão e o punch que marcou trabalhos como o próprio “Cabeça…”, na obrigatória faixa título e também em “AA UU”, “Polícia”, “Bichos Escrotos” e “Homem Primata”, no bis.

De “Ô Blésq Blom” vieram “Flores”, com participação de Érika Martins, “32 dentes” e de “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas” as escolhidas foram “Desordem” e “Diversão”.

“Sonífera Ilha”, hit de abertura do primeiro disco da banda, fez o público cantar junto, num dos poucos momentos possíveis para isso. Em suma, a turnê de “Nheengatu” é o Titãs negligenciando tudo que fizeram nos últimos 20 anos para dar lugar ao que construíram na primeira década da carreira, resgatada no disco atual. E fizeram isso muito bem.

No palco mais pesado do Festival, o Cavalera Conspiracy encerraria a noite com a responsabilidade que carrega. Quando anunciado, em 2007, a banda praticamente deu fim aos intermináveis rumores de reunião do Sepultura e marcou a reconciliação entre Max e Igor, montando um projeto que deixa pouco a dever ao que fizeram desde “Roots”.

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Com os álbuns “Inflikted” e “Blunt Force Trauma” no currículo, em vias de lançar o próximo, “Pandemonium”, o primeiro desde 2011, é difícil errar a mão no entrosamento entre os irmãos junto a Marc Rizzo, que já é membro do Soulfly desde 2004 e o Nate Newton, que entrou em 2013, mas tem carreira consolidadíssima com o Converge, ícone do hardcore extremo.

São 4 especialistas, portanto, que passeiam com desenvoltura pelo terreno do thrash, death, metalcore e “groove metal”. “Inflikted”, “Warlord”, “Terrorize” e “Killing Inside” seguem intercaladas com clássicos do Sepultura. Da maior banda da história do metal brasileiro vieram “Beneath The Remains/Desperate Cry/Troops of Doom”, a dobradinha de “Arise/Dead Embryonic Cells” e no trio que fez o público explodir: “Refuse/Resist”, “Territory” e “Attitude”, três faixas do cânone imortal da banda.

No palco, Max conversa com o público, incita rodas de pogo, apresenta músicas novas como “Babylonian Pandemonium” e “Bonzai Kamakaze” e até brinca consigo mesmo. Clima propício para o encerramento com “Inner Self” e “Roots Bloody Roots”.

Na organização, o Porão do Rock mantém a boa estrutura, shows pontuais e filas aceitáveis, como já é tradição do festival, que foi encerrado com um show de 2 horas do Raimundos. Mais Brasília, impossível.

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Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Destaques Reviews de Shows