Skip to content →

Pearl Jam: três visões sobre o show em Brasília e a turnê

Nesta terça, 17, o Pearl Jam fez o primeiro show da história da banda na capital federal. O público, entre 15 e 25 mil pessoas (um cálculo muito científico da minha parte, digno da PM), conferiu um show de 35 músicas em mais de 3 horas, como é praxe da banda. Foi a primeira vez que vi o grupo ao vivo e, fugindo um pouco do esquema tradicional aqui da Movin’, além dos meus apontamentos, convidei dois amigos para comentar suas impressões sobre o show. Tomaz de Alvarenga é jornalista e escreve sobre música em diversos veículos há bastante tempo. Diego Salmen também é jornalista e, além do show em Brasília, viu também as apresentações em Buenos Aires e São Paulo desta turnê, além de Belo Horizonte (sexta, 20) e Rio de Janeiro (domingo, 22), que irá conferir.

Ao vivo, o Pearl Jam supera todos os defeitos que mostra em estúdio

Maurício Angelo

– Realmente, são das maiores bandas ao vivo do mundo, especialmente pelas mudanças constantes de setlist de um show para outro (coisa que raríssimos fazem com essa intensidade), o fato de tocarem mais de 3 horas e a gana que ainda apresentam para uma banda que, se não é da velha guarda, é bem veterana.
– Novamente: comparado com o que são em estúdio, o PJ é 20 vezes melhor ao vivo. É uma banda talhada para o palco e fazem questão de estar ali.
– Tudo que em estúdio soa datado, forçado, sem punch e com pouca imaginação, eles compensam (muito) isso ao vivo.
– Não tive problemas quanto ao setlist, privilegiando menos alguns hits e mais faixas de discos como “Vs” e “Vitalogy”. Outro ponto a favor, diga-se.
– As covers, que eles também variam muito, foram excelentes: de um lado B de Beatles (“Rain”), passando por “Redemption Song” de Bob Marley (milhões de vezes melhor que “Imagine”, de John Lennon, que também estão tocando na turnê), “Mother” (das melhores do The Wall) e trechinho de “Another Brick In The Wall Pt. II” do Pink Floyd até “Baba O’ Riley” do Who que boa parte do público parecia desconhecer, etc…
– O público, bem, é o público de Brasília, né?
– O som, pelo menos da pista premium, estava bem bom.
– Saio desse show respeitando a banda muito mais.
– De fato, pro bem e pro mal, o Pearl Jam talvez seja a banda mais influente do rock pós-90. Toda banda de rock no rádio tenta soar como eles há algum tempo.
– Infelizmente, as “crias” do Pearl Jam (nem vamos citar para não comprometer) não chegam sequer perto da banda. Melhor ficar na original, como quase sempre.

Ótima impressão para quem nunca viu

Tomaz de Alvarenga

Show atrasar em Brasília é regra. O do Pearl Jam não foi exceção: 1h06 de atraso, esperando simplesmente as pessoas entrarem no estádio. Mas a culpa não foi delas e sim da T4F, produtora do show. Em um estádio daquele tamanho, disponibilizar apenas uma entrada por setor, é uma economia porca. Contratar um pouco mais de gente para organizar as filas, disponibilizar mais acessos são coisas que poderiam evitar algo mais grave, que por pouco não ocorreu. Cheguei 1h20 antes do show e demorei 1h pra entrar. A fila que eu estava interligava outras, se juntava com outras sem nenhuma razão. Alguns passavam na frente das filas , um verdadeiro caos. Na entrada, um funil, as pessoas eram espremidas, empurradas, vi casais gritando, crianças chorando. Absolutamente desnecessário.

O show em si, obviamente, é retrato do que vemos e escutamos. E infelizmente o meu julgamento não pode ser dos melhores, pois fiquei prejudicado nestes quesitos. No final da pista comum, o som não estava bom, estourado, às vezes um pouco grave. E claro, pela minha localização, eu olhava bastante para os telões (que considerei pequenos para o tamanho do espetáculo, mas ok, não era o show do Kiss) e eles estavam com um delay. Por exemplo: no meio de um solo, ele mostrava outra coisa que não tinha nenhuma relação com este momento. Então o show foi meio decepcionante por não conseguir ver/escutar da melhor forma.

Gostei do setlist, claro que sempre reclamaremos de uma música ou outra (achei que o início não precisava ser tão calmo, nem o final). Given to Fly foi, é, e sempre será incrível. Better Man, idem. Corduroy, Brain of J., Even Flow, Animal, Daughter, Habit, Rearviewmirror, Jeremy, Elderly Woman…, Alive, continuam belas e sempre crescem ao vivo. Desnecessário tocarem 4 músicas do Lightning Bolt, o pior álbum da carreira deles, mas em um universo de 35 canções, é até compreensível.

Foi meu quarto show deles (o primeiro – e melhor – foi na Praça da Apoteose, no Rio de Janeiro em 2005; assisti também em 2011 no Morumbi, em São Paulo e em 2013 no Lollapalooza Chile, em Santiago) e considerei o pior. Mas não foi ruim. Certamente deixa uma ótima impressão para quem nunca viu. Mesmo sendo no Brasil, para um público desanimado, em que boa parte dele se produziu para um evento social, só pensava em selfie e aguardava por Last Kiss, que não fez a menor falta.

Gentrificação, público insosso e experiência comprometida

Diego Salmen

A apresentação do Pearl Jam em Brasília teve quase todos os elementos pra ser espetacular: setlist fora da casinha, gigante (tem que reiterar: 35 músicas!), banda afinadíssima e claramente feliz e empolgada por estar ali. Tudo que a gente lê por aí sobre a infinita pletora de canções na manga e sobre a energia dos caras se confirmou.

Mas faltou uma coisinha: reciprocidade.

Se a gentrificação já atinge com força os shows de rock há alguns anos, em Brasília o fenômeno fica ainda mais evidente. Um público insosso, mais preocupado em dizer que estava ali do que em efetivamente estar ali de alma e coração. Cidades como São Paulo e Rio de Janeiro têm volume para diluir a elitização do público em milhares de fãs que realmente se entregam à música que está sendo tocada. A capital, não.

Aqui, as pessoas realmente acreditam que a pista VIP existe para servir facilidades – e não pra produtora lucrar ainda mais em cima de nós, os trouxas. Um senhor reclamou comigo. “Essa mochila tá foda, hein”. E o show nem havia começado – imagina quando começasse o pula-pula?

Evidentemente, ninguém pulou. As Marias Antonietas candangas abusaram do direito de tirar selfies em prejuízo da entrega ao som. Venceu o ter sobre ser, e numa proporção muito maior do que em qualquer outra cidade onde o Pearl Jam já tenha tocado por essas bandas – palavra de quem vai terminar a turnê deste ano com 22 shows dos caras nas costas.

Voltando. A elitização está destruindo todos os rituais. No show desta terça, foi triste perceber que ela destruiu a comunhão, aquela aura mágica presente em todos os shows da banda na América Latina. Entre corações e almas, o único Deus de Brasília segue sendo o dinheiro.

Pearl Jam Setlist Estádio Mané Garrincha, Brasília, Brazil 2015, 2015 Latin American Tour

 

E um levantamento que prova o incrível repertório executado até aqui (67 músicas e contando):

12278219_1002100019846210_1742515897_n

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Destaques Reviews de Shows