É muito – muito – fácil fazer troça do Guns N’ Roses. Pelo seu gigantismo, o sucesso avassalador seguido de anos de ostracismo e pataquadas de Axl Rose, o imbróglio eterno de “Chinese Democracy”, as formações remendadas que mais pareciam uma banda cover de si mesma (e realmente eram), pelo fato de ter influenciado decisivamente toda uma geração de bandas (e público) poser no último grau, refém de cartolas, coletes, bandanas e acessórios do “glam rock malvadão das ruas”, por boa parte do seu público ser formado pelo típico “rockerão” médio que não enxerga um palmo na frente do nariz. É fácil desprezar e rir de uma banda que é a caricatura perfeita dos clichês do rock, que parece perdida no tempo, ultrapassada, mais uma banda fazendo peso no mundo, emitindo carbono, poluindo e acumulando lixo. Quem precisa do GnR em 2016? Certamente, ninguém. Sua relevância hoje é nula e sua presença é descartável.
Ainda assim, as quase três horas das 27 músicas tocadas no Mané Garrincha em Brasília (set mais longo da turnê brasileira) mostram que, para além do apelo inevitável da nostalgia da volta de parte da formação “clássica” do grupo, com Slash e Duff McKagan novamente no palco, e do saco de hits no currículo, poucas bandas tem um repertório como o deles, das 8 faixas do arrasa quarteirão de “Appetite For Destruction” (álbum de estreia mais vendido da história nos Estados Unidos), da mistura das melhores dos dois “Use Your Illusion”, dos covers bem escolhidos e de baladas melosas e clássicas como “Patience”.
Apesar de surgir no auge do glam rock e tornar-se “a banda de Los Angeles por excelência”, misturando hard, heavy, punk e cia no balaio, o Guns N’ Roses sempre foi mais uma banda dos anos 60 e 70 do que dos 80. Basta ver o histórico de covers executado no show: Wings, Pink Floyd, Bob Dylan, Eric Clapton, The Who….e Misfits. Slash sempre quis ser mais uma estranha mistura de Jimi Hendrix, Jimmy Page, Ritchie Blackmore, Joe Perry e Eddie Van Halen que qualquer outra coisa. Todas suas principais referências são dos anos 60 e 70, como já admitiu e como é evidente. E, convenhamos, quantas bandas do chamado “glam rock” podem se gabar de ter no currículo músicas como “Civil War”, “Estranged”, “November Rain”, “Sweet Child O’ Mine”, “Used To Love Her”, “Nightrain”, “Welcome To The Jungle”, “You Could Be Mine”, “Paradise City” e por aí afora? Nenhuma.
Equilibrando bem o set longo com porradas, baladas, passagens instrumentais de exibicionismo, interlúdios e etc, Axl Rose não é de conversinha com o público, de ficar incitando coisa alguma (como os temíveis coros de um lado e outro), de contar causo no palco e fazer juras de amor ao país, algo que, ao contrário da imensa maioria das bandas, até teria motivo para fazer, dada a relação sempre de carinho e histeria com que o Brasil sempre recebeu o Guns N’ Roses, mesmo no longo período de baixa. Mas não faz e isto é um alívio. Assim como também é um alívio ter um guitarrista de verdade no palco na figura do Slash e não um palhaço fantasiado ou posers de gosto pra lá de duvidoso como “Buckethead”, “DJ Ashba” e Robin Finck. O “poserismo” de Slash é justificável e ele entrega (óbvio) muito mais que os figurantes citados. E McKagan, goste-se ou não, é um baixista decente e, se nunca foi um compositor tão importante na banda quanto Izzy Stradlin, tem lá a sua contribuição.
O bom público no Mané, por volta de 30-35 mil pessoas, estimo, segura bem a chuva e as variações inevitáveis de um set tão longo. A se lamentar o som do estádio, sempre um problema crônico, variando absurdamente de lugar para lugar (na arquibancada é sempre um horror) e, na pista, as laterais estavam bem melhores que o centro. E fica aqui o registro dos preços surreais praticados, algo só possível no país da pista VIP, de um público que acha bonito pagar caro para se diferenciar: R$13 numa lata de Budweiser e R$10 numa água é extorsão pura e simples.
Um adendo importante: o público de rock/metal AMA apontar “erros de execução” em todo show que comparece, resultado direto de plateia formada por muitos músicos de araque e gente obcecada com perfeição, arrogando-se a ter “ouvido absoluto” e outras bobagens do gênero, como se show ao vivo fosse para reproduzir exatamente o gravado em estúdio, algo de uma estupidez flagrante. Show é música e diversão, é vida real, não é gente presa em um aquário. Um óbvio ululante que, infelizmente, precisa ser dito em 2016. Especialmente para uma banda de hard rock festivo como o Guns N’ Roses. Algo que não compromete o espetáculo, mas faz parte dele.
Caricatura inevitável de uma época ultrapassada e que, não raro, envelheceu terrivelmente mal, a verdade é que esta formação do Guns N’ Roses consegue fazer o serviço sujo com excelência e, pasmem, com muito mais competência, lastro e repertório que a maioria do mesmo nicho por aí. Já é bem mais do que se poderia esperar.