Skip to content →

Com “The Sciences”, o Sleep retorna ao topo da música pesada

O que você faz depois de gravar sua obra-prima – um monolito de uma única faixa que se estende por mais de uma hora que coloca tudo que se entendia por stoner metal até então no chinelo? O que você faz depois que a gravadora rejeita essa obra-prima e o disco sequer é lançado? Termina a banda, claro. E foi isso que o Sleep fez em 1996 após registrar “Dopesmoker” em Londres (após diversos bootlegs, versões não autorizadas, etc, o disco seria oficialmente lançado em 2003). 

Al Cisneros, Matt Pike e Chris Hakius eram moleques mal chegados aos 20 anos quando lançaram “Volume One” em 1991 e “Holy Mountain” em 1992, ajudando a cimentar – ao lado do Kyuss, Monster Magnet, Melvins e cia ltda – essa mistura de Black Sabbath, Saint Vitus, Candlemass, psicodelia e blues envenenado que ficou conhecida como “stoner”, normalmente movida a muita, mas muita marijuana, como fica evidente do rótulo às letras, da identidade visual ao som. Algo que o Sleep mantém no novíssimo “The Sciences”, lançado em 20 de abril, ou 4/20 no formato da data americana.

Na prática o primeiro disco em mais de 20 anos, “The Sciences” vem na esteira da reunião em 2009 mas ainda assim de modo quase inesperado. Afinal, Al Cisneros montou o Om, essa espécie de busca espiritual em forma de hipnose pesada – 5 discos belíssimos que são, grosso modo, variações sobre o tema de “Set The Controls For The Heart Of The Sun” do Pink Floyd e sua letra de poesia chinesa – como eu gosto de resumir e Matt Pike criou o High On Fire, stoner bem mais rápido e agressivo que o Sleep, que já soma 7 discos e vai bem, obrigado. Com a saída de Hakius, os dois recrutaram ninguém menos que Jason Roeder, baterista do Neurosis, banda que é a espinha dorsal do metal alternativo e responsável por clássicos absolutos que influenciaram mais gente do que é possível contar. 

É nesse encontro – do stoner com o sludge, versão mais experimental e pegajosa, por assim dizer, presente desde o início da carreira dos citados aqui – que “The Sciences” chega como um testamento de músicos mais experientes, na vida e nas composições, mais ciosos do querem e deixam de querer. E logo no início de “Marijuanaut’s Theme” você lembra porque somente o Sleep consegue fazer o stoner soar exatamente como deve, no baixo gorduroso e onipresente de Cisneros formando paredes sonoras indestrutíveis – como é bom ouvir o baixo em destaque numa produção, sempre, fator que faz o Om soar como o bálsamo que se pretende – riffs irresistíveis, solos psicodélicos que se completam na bateria sempre muito marcada, a contribuir para digressões infusionadas pela chapação, em duelos de camadas e retomadas, na gosma que fica na boca ao sair vivo de uma “Sonic Titan” – sensação que vale para todas as músicas do disco, pequenos monolitos com vida própria.

Tudo isso evidenciado pela produção precisa de Noah Landis (também do Neurosis) e Bob Weston (do Shellac), o que também ajuda a explicar a excelência alcançada aqui, entre material já conhecido por quem acompanha a banda (mas não registrado em estúdio) e composições novas. “The Sciences” é mais um testamento da banda de stoner definitiva, de um power trio para acabar com todos os power trios, música pesada com inteligência – essa bobagem redundante – para ouvir no talo e, de preferência, no estado de consciência adequado. 

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Reviews de Cds