Foto: Cristiano Porfírio / Na Rota do Rock
Muitas coisas podem ser ditas sobre Dave Mustaine: sabiamente, é um dos maiores malas do metal. Também um grande ditador, quando quer, chamando e expulsando da banda quem ele bem entende. Falastrão, chegado em ‘polêmicas’, comprando ‘brigas’ com todo mundo do meio. Sem falar na eterna disputa infantil entre o Megadeth e o Metallica, alimentada por ele mesmo. Recentemente, chegou a dizer que “Endgame” é melhor que “Death Magnetic”. E aqui não importa que talvez seja, mas sim que este comportamento adolescente não condiz com o perfil de um adulto minimamente seguro de si mesmo.
É o cara que xinga todo mundo, pede perdão e depois xinga de novo. Que briga com seus companheiros de banda: o retorno de David Ellefson, baixista da formação original, naturalmente querido pelos fãs, passou por reconciliação e batalhas judiciais. Mas é, acima de tudo, um sobrevivente. O Megadeth passou por maus bocados na década de 90 até chegar ao fim logo depois do lançamento do mediano “The World Needs a Hero”. Mustaine sofreu com uma neuropatia radial, problema que gerou graves danos aos nervos da mão e braço esquerdos, levando ao diagnóstico de que, provavelmente, seria muito difícil voltar a tocar como antes. Assim, anunciou o fim do grupo em 2002.
Foto: Cristiano Porfírio / Na Rota do Rock
Felizmente, o problema foi superado e o Megadeth voltou à ativa cheio de incertezas. Processo tão desgastante que a turnê de 2004 foi tida como a última. E para surpresa de todos, cambaleante, a banda foi lançando trabalhos gradativamente melhores: “The System Has Failed” era bom, um vislumbre do retorno à boa forma, ‘United Abominations”, de 2007, vários níveis acima e o recente “Endgame”, do ano passado, arrisco dizer, é o melhor disco da banda desde…”Rust In Peace”, de 90.
Ver a banda ali no palco, então, com toda a turbulência dos últimos anos, o fim anunciado, o retorno, a volta de David Ellefson há menos de dois meses tocando o “RIP” na íntegra e com um disco do calibre de “Endgame” nas mãos é, sem dúvida, um privilégio. Era a chance, também, de apagar a má impressão deixada pela última turnê do grupo por aqui, em 2008. Principalmente o show que vi, em Belo Horizonte, repleto de problemas técnicos, som ruim, interrupções, mau humor e o diabo.
Na resenha, eu dizia que somente um novo concerto, completo e com outro clima poderia dar a dimensão real do Megadeth no palco. Menos de 2 anos depois, esta “Endgame/Rust In Peace 20th Anniversary Tour” cumpre seu dever. O som oscilou em alguns momentos, com pequenas falhas normais. E Mustaine, desde sempre, nunca foi exatamente o melhor vocalista do mundo. O jeito como balbucia as letras, de forma confusa, é muitas vezes ininteligível. Aquele jeitão – incluindo o cabelo poodle – que os fãs estão acostumados há quase 30 anos. E não há o que reclamar.
Não há, porque Mustaine é, também, um dos melhores compositores de thrash metal que se tem notícia. Após “Skin O’ My Teeth”, “In My Darkest Hour” e “She Wolf”, Mustaine parabeniza Brasília pelos 50 anos e o disco pelas duas décadas e diz “nós sabemos porque estamos aqui hoje, certo?” e “Holy Wars…The Punishment Due” vem na sequencia. Há pouco o que se falar sobre a música e o álbum em si.
Foto: Cristiano Porfírio / Na Rota do Rock
“Rust In Peace” é um dos maiores discos de metal de todos os tempos. O momento mais inspirado da banda. O ápice criativo. Riffs, solos, melodias, letras, técnica, harmonia, feeling. “Hangar 18”, “Take No Prisoners”, “Tornado Of Souls” e a faixa título. Sem falar nas outras 4. Ao vivo, a execução é praticamente perfeita. A legítima catarse de presenciar algo histórico.
Jamais caindo o nível, “Trust” é a primeira pós “Rust In Peace”. Depois, duas novas: “The Right To Go Insane” e “Headcrusher”. Na verdade, qualquer uma de “Endgame” poderia ser escolhida. Não há sequer uma faixa mediana no disco. A obrigatória “Symphony Of Destruction” é ovacionada e o bônus vem com “Peace Sells”, outra da carta de clássicos absolutos.
Mustaine está mais comunicativo que de costume. De bom humor, interagindo, tocando sem incômodo. No fim, a banda agradece várias vezes em saudações que me pareceram mais genuínas que as de praxe. Depois da banda toda se despedir, Mustaine ainda faz outro agradecimento e um boa noite final. Brinca com o público e joga até beijos, olha só.
A sensação que dá é que, realmente, Mustaine está muito feliz e satisfeito por ainda poder fazer parte disso. Poder tocar, compor e se apresentar para um público e fiel e conquistado a unha ao longo dos anos. Para uma banda que se dissolveu e retornou, pra quem quase perdeu o direito de tocar, a turnê atual é como um presente para todos: Mustaine, Ellefson, Broderick, Drover e todo o público que tem a oportunidade de conferir um ícone em ótima forma. Aí você esquece a personalidade “conturbada” de Mustaine e lembra que o cara é um mestre do que faz. Simples assim.