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De La Soul e Sepultura: histórias distintas, paralelos e encruzilhadas

Belo Horizonte recebeu, em poucos dias, dois shows que aparentemente não tem relação alguma entre si, mas que podem ser analisados sob certos primas semelhantes, a despeito do fato que foram os dois shows que escolhi ver (o Meca Festival, em Inhotim, aconteceu no sábado 05/11 com ingressos de preços surreais (R$ 500) e organização idem). Os dois no mesmo local: o médio e eficiente Music Hall.

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O De La Soul, na quinta (02/11) tinha tudo para ser excelente: na esteira do novo e ótimo disco “and the Anonymous Nobody”, que resenhamos aqui na Movin’, o primeiro de inéditas em 12 anos, que mistura com excelência tudo que eles sempre fizeram bem, Posdnuos, Trugoy e Maseo não podiam errar. Mas se não chegamos a tanto, o fato do show acontecer sem banda completa e apenas com DJ’s e programações enfraquece bastante não só o show do De La Soul mas de todo artista de hip hop que opta por isso.

Assim, clássicos como “Ring Ring Ring (Ha Ha Hey)”, de “De La Soul Is Dead”, “I Be Blowin'” do subestimado “Buhloone Mind State”, “Stakes Is High” e a inevitável “Me, Myself and I” enfraquecem em potência, apesar do trio compensar bem como pode, revezando-se no microfone e puxando a plateia o tempo todo pra cima. Que se diga a verdade: o De La Soul tem uma das melhores e mais consistentes discografias do hip hop, mas a escolha do repertório foi infeliz, como apenas uma do já citado “Buhloone”. Sem dizer que o novo disco, ainda mais orgânico que a média e com a presença significativa de guitarras, que poderia crescer ao vivo, também empalidece ficando refém das programações.

De um show que poderia ser memorável, fica a sensação de uma noite morna e mediana, não apagada porque precisariam se esforçar demais para isso, porém tímida e aquém do potencial. Que voltem em breve com banda.
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De La Soul Setlist Music Hall, Belo Horizonte, Brazil 2016

Sepultura: em casa e refém da história

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No domingo, encerrando o festival 53 HC, chegamos ao Sepultura, jogando em casa, na cidade em que surgiram, para um público sempre sedento para ver a maior banda que esse país já produziu, responsável por participar da formação e desenvolvimento de um estilo, o death metal, e influência absurda nos anos 80 e 90 no cenário do metal mundial.

Chega a ser incômodo pensar, quase 20 anos desde que Max Cavalera abandonou o barco, que sempre que se fala no “Sepultura atual”, na ativa e com impressionantes 7 discos lançados com o vocal de Derrick Green, seja preciso fazer uma espécie de parêntese. A história não ajuda e os eternos boatos de reunião da formação mais próxima possível da original, insistentemente negados, são parte disso. Assim como a formação do Cavalera Conspiracy, da turnê de comemoração de 20 anos do “Roots” que os irmãos Cavalera estão fazendo, da queda de qualidade da turma que seguiu e por aí afora.

O Sepultura era uma das maiores bandas do mundo em meados dos anos 90 e, claro, nunca mais voltou a ter a importância, o público e o peso que teve. Sequencia de discos medíocres ou questionáveis, com poucos bons momentos, mais pressão que qualidade, a desconfiança eterna dos fãs, tudo isso colabora. Também não ajuda as atitudes incompreensíveis como a série de shows em parceria com Lobão, refutada imediatamente pela maioria do público, um erro crasso de uma banda com mais de 30 anos de história que passa a impressão de estar perdida, sem um empresário/produtor/amigo capaz de cortar ideias cretinas como essa que não geram resultado positivo pra ninguém e apenas arranha mais o legado do Sepultura, a despeito de Andreas Kisser ser um dos maiores arroz de festa que se tem notícia desde…sempre.

Ao vivo, porém, é difícil ignorar que, claro, os músicos são bons, repertório não falta e a juventude e técnica de Jean Dollabela na bateria suprem muito bem qualquer carência afetiva. Mas mesmo mandando clássicos como “Slave New World”, “Desperate Cry” e a sequencia arrasadora de “Territory” / “Beneath The Remains” / “Arise” / “Refuse/Resist”, o Sepultura que temos hoje ainda é uma lembrança pálida do que já foi, que precisará conviver sempre com os fantasmas do passado e aceitar a platitude do vocal esforçado de Derrick.

O público, claro, se desmancha em rodas de pogo e nostalgia, responde bem ao que sai das caixas de som e à presença de palco da trupe. Sepultura em BH é sempre uma celebração. A sensação é de um bom show. Ninguém pode dizer que a discografia com o Derrick não tem seus bons momentos. Mas é sempre muitíssimo complicado competir com a história.

Sepultura Setlist Music Hall, Belo Horizonte, Brazil 2016

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Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Reviews de Shows